Sempre aos sábados

As muitas trocas de experiências em uma oficina de criação literária
01/11/2008

O coordenador da oficina de criação literária pede aos oficinandos que escrevam um conto ou um poema erótico, a partir das impressões deixadas por dois trechos do diário de Anaïs Nin e pelo curta de animação Ring of fire, de Andreas Hykade.

Lorena M., 21 anos, estudante de arquitetura, estava muito chateada porque a turma, de modo geral, criticou sem piedade o excesso de clichês de seu poema.

Tiago B., 62 anos, aposentado, foi o único que elogiou, mas timidamente, o poema de Lorena M.

Luiz H., 35 anos, bancário, escreveu um conto à maneira surrealista, cheio de símbolos obscuros e imagens lascivas.

Regina A., 19 anos, estudante de letras, optou pelo caminho da delicadeza e do bom gosto.

Marcelo P., 28 anos, engenheiro civil, comentou demoradamente o conto de Luiz H., na sua opinião, o melhor texto da rodada.

Vânia K., 54 anos, dona de casa, também elogiou a musicalidade do conto de Luiz H., apesar de não ter entendido muito bem a trama e a motivação das personagens.

O coordenador passou rápido pela maioria dos textos e analisou mais cuidadosamente apenas o poema de Regina A.

Fernando R., 25 anos, designer gráfico e músico, quis discutir a diferença entre alta literatura e baixa literatura.

Sandra S., 31 anos, professora, e Valentim N., 40 anos, publicitário, faltaram nesse dia.

O coordenador pede aos oficinandos que escrevam um conto ou um poema sobre a vingança dos objetos do cotidiano, a partir das impressões deixadas por três pinturas de Giorgio de Chirico.

Sandra S. escreveu seis haicais: sobre uma geladeira telepata, sobre um liquidificador assassino, sobre um espremedor de laranja esquizofrênico, sobre uma tevê daltônica, sobre um celular surdo-mudo e sobre um laptop vampiro.

Vânia K. não gostou das pinturas do artista italiano.

Tiago B. apresentou um conto bastante irreverente, com um final inesperado e cruel.

Fernando R. quis discutir a noção de literatura feminina.

Valentim N. criticou as imagens banais do poema de Vânia K.

O coordenador repetiu seu bordão preferido: “A função da boa literatura não é entreter e deleitar, mas inquietar e provocar o leitor”.

Regina A. sugeriu três cortes muito específicos no conto de Tiago B.

Marcelo P. discordou veementemente de Regina A., sugerindo, em vez de cortes, três acréscimos.

Luiz H. e Lorena M. faltaram nesse dia.

O coordenador pede aos oficinandos que escrevam um conto ou um poema minimalista a partir do curta de animação Repete, de Michaela Pavlátová, e de dois poemas de Alberto Pimenta.

Tiago B., nesse dia, virou fã do poeta português.

Fernando R. escreveu um conto escatológico.

O coordenador sugeriu que evitassem os estereótipos, fugissem dos clichês, corressem dos chavões, não marcassem encontro com os lugares-comuns.

Vânia K. escreveu um conto confessional sobre sua monótona vida conjugal.

Sandra S. trouxe um soneto sobre a corrupção na política.

Valentim N. criticou a linguagem convencional da maioria dos textos apresentados.

Regina A., depois de ouvir o soneto de Sandra S., disse que os poemas metrificados e rimados são coisa do passado.

Marcelo P. apresentou um conto dividido em seis capítulos, todos rigorosamente iguais, mudando apenas o nome das personagens.

Luiz H. e Lorena M. faltaram nesse dia.

O coordenador pede aos oficinandos que escrevam um conto ou um poema de temática social a partir das pequenas notícias de jornal trazidas pelos próprios participantes e das impressões deixadas pelo poema Carta ao lixeiro, de Drummond, na voz de Paulo Autran.

Luiz H. escreveu um poema com mais de quarenta versos, numa única estrofe.

Sandra S. não fez esse exercício, por falta de tempo.

Vânia K. lembrou da novela Pai herói, na qual Paulo Autran fazia o inesquecível vilão Bruno Baldaracci.

Tiago B. escreveu um conto sobre um morador de rua.

O coordenador lembrou ao grupo que bons sentimentos não fazem boa literatura, e sugeriu que evitassem o tratamento edificante, repleto de boas intenções.

Regina A. sugeriu a Marcelo P. que dividisse seu longo poema em várias estrofes, para quebrar a monotonia.

Lorena M. concordou com Regina A.

Fernando R., Marcelo P. e Valentim N. faltaram nesse dia.

O coordenador pede aos oficinandos que escrevam um conto ou um poema que expresse solidão e melancolia, a partir das impressões deixadas pela Pavana para uma infanta defunta, de Ravel.

Marcelo P. estava de mau humor, o original de seu primeiro romance fora recusado simultaneamente por três editoras.

Lorena M. disse que as grandes editoras recebem em média cinqüenta originais não solicitados por mês.

Valentim N. escreveu um conto sobre três pingüins perdidos em Copacabana.

Regina A. apresentou um poema bastante irreverente, com um final inesperado e cruel.

O coordenador recomendou ao grupo que libertasse com mais freqüência o humor, o nonsense e a fantasia.

Fernando R. elogiou a linguagem do conto de Valentim N. e sugeriu que os pingüins deviam se chamar Sólido, Líquido e Gasoso.

Sandra S. lembrou do melancólico poema de Olavo Bilac, In extremis.

Tiago B. sugeriu três cortes muito específicos no poema de Regina A.

Luiz H. e Vânia K. faltaram nesse dia.

Luiz Bras

É escritor. Autor de Sozinho no deserto extremo e Paraíso líquido, entre outros.

Rascunho