Ventura, Euclides e o Conselheiro

O ensaísta e professor da USP Roberto Ventura morreu num acidente automobilístico, em agosto de 2002, sem ver o livro que organizei, O clarim e a oração: cem anos de Os sertões
01/05/2006

O ensaísta e professor da USP Roberto Ventura morreu num acidente automobilístico, em agosto de 2002, sem ver o livro que organizei, O clarim e a oração: cem anos de Os sertões (lançado em setembro de 2002 pela Geração Editorial/SP), do qual ele participa com o extraordinário ensaio Euclides da Cunha no Vale da Morte. Alguns dias antes de sua morte, muito educado, ainda me enviou um e-mail pedindo informações acerca da data de lançamento da obra. Ventura deixou a biografia incompleta Euclides da Cunha: esboço biográfico (Companhia das Letras, 2003). Vinha tratando, antes do acidente fatal, das afinidades entre o personagem principal de Os sertões, o Conselheiro, e o autor do livro. Conforme apontou em entrevista a O Estado de S. Paulo, seriam as seguintes essas afinidades: a) o Conselheiro terá seu caráter formado a partir de violências envolvendo sua família no Ceará; Euclides troca tiros com Dilermando de Assis em ato que resultou na morte do escritor; b) Conselheiro foi um construtor de cemitérios e igrejas; Euclides reformou pontes; c) Conselheiro foi traído pela mulher no Ceará; Euclides, ao retornar em 1906 da Amazônia, encontra Ana, sua mulher, grávida de Dilermando de Assis (com quem, aliás, ela se casa após a morte de escritor); d) Conselheiro e Euclides eram órfãos; e) um e outro tinham muita fé: o primeiro se guiava pela religião; o segundo, pela ciência. Euclides da Cunha: esboço biográfico, um livro indispensável, acompanha os lances mais importantes da vida do autor de Os sertões; traz uma detalhada cronologia e uma bibliografia excelente. Louvo o trabalho dos organizadores Mario Cesar Carvalho e José Carlos Barreto de Santana — muito competentes na tarefa de recolher, auxiliados por Marcia Zoladz, o material deixado por Roberto Ventura em arquivos de computador, enfeixando-o num volume em que o essencial da obra (excluindo-se a anunciada abordagem das afinidades entre a vida de Euclides e a do Conselheiro e a interpretação mais rigorosa deste último como personagem elaborado pelo escritor) não me parece tão comprometido, mesmo ocorrendo aqui e ali os cortes decorrentes de eventuais excertos ou alterações que o biógrafo faria. A redundância de certas frases ou fragmentos também não compromete o texto — o leitor entende.

Rinaldo de Fernandes

É escritor e professor de literatura da Universidade Federal da Paraíba. Autor de O perfume de Roberta, entre outros.

Rascunho