Vargas Llosa e Os sertões

"A guerra do fim do mundo" é um romance importante na trajetória de Mario Vargas Llosa. Lançado em 1981, o livro trata da Guerra de Canudos, ocorrida em fins do século 19 (1896 a 1897) no sertão baiano
Mario Vargas Llosa, autor de “A guerra do fim do mundo”
01/01/2007

A guerra do fim do mundo é um romance importante na trajetória de Mario Vargas Llosa. Lançado em 1981, o livro trata da Guerra de Canudos, ocorrida em fins do século 19 (1896 a 1897) no sertão baiano. A guerra, que teve como desfecho a destruição, após quatro expedições militares, do arraial de Canudos pelo exército, é um dos principais episódios da história brasileira. Uma pergunta que qualquer leitor poderá fazer ao ter contato com o livro de Vargas Llosa é: por que o escritor, sendo peruano, teve interesse em tratar de um tema relacionado à realidade de um outro país? Vargas Llosa afirma que o principal motivo foi, além do convite para escrever com Rui Guerra o roteiro de um filme sobre Canudos (filme que, por sinal, não chegou a ser concluído), o impacto que lhe causou a leitura de Os sertões (1902), de Euclides da Cunha: “Para mim, foi uma das grandes experiências da minha vida de leitor. Foi como ter lido, quando garoto, Os três mosqueteiros, ou, já adulto, Guerra e paz, Madame Bovary ou Moby Dick. Foi realmente o encontro com um livro muito importante, com uma experiência fundamental. Um deslumbramento, realmente, um dos grandes livros que já se escreveram na América Latina […]. Creio que ele vale por muitas coisas, mas sobretudo porque é como um manual de latino-americanismo, quer dizer, neste livro se descobre primeiro o que não é a América Latina. A América Latina não é tudo aquilo que nós importávamos. Não é tampouco a Europa, não é a África, nem é a América pré-hispânica ou as comunidades indígenas — e ao mesmo tempo é tudo isso mesclado, convivendo de uma maneira muito áspera e difícil, às vezes violenta. E de tudo isso resultou algo que muito poucos livros antes de Os sertões haviam mostrado com tanta inteligência e brilho literário”. O escritor peruano, é certo, fez uma leitura criteriosa do texto de Euclides, reuniu uma série de informações sobre os acontecimentos de Canudos, esteve no sertão baiano conversando com as pessoas, vendo a paisagem, sentindo o clima. Como um historiador, Vargas Llosa foi primeiro às fontes e, documentado, escreveu a sua narrativa. A guerra do fim do mundo, assim, é um livro que vale a pena ser lido — traz uma imagem rica, com alguns personagens muito bem elaborados, de um acontecimento que manchou, logo em seu nascimento, a nossa República.

Rinaldo de Fernandes

É escritor e professor de literatura da Universidade Federal da Paraíba. Autor de O perfume de Roberta, entre outros.

Rascunho