Vargas Llosa e Euclides da Cunha: confluências (final)

Uma apreciação acerca do fato de um escritor estrangeiro ter conseguido retratar, com tanto preparo, o que se passou em Canudos
O escritor peruano Mario Vargas Llosa
01/08/2013

Para concluir, uma apreciação acerca do fato de um escritor não brasileiro ter conseguido retratar, com tanto preparo, o que se passou em Canudos. Por que Vargas Llosa, sendo peruano, interessou-se por um conflito passado no final do século19 no Brasil? Para, além de produzir um romance histórico, gênero com grande tradição na literatura hispano-americana, representar de algum modo a realidade contemporânea da América Latina, com (na perspectiva que ele adotou e que é complexa, até mesmo problemática) “fanatismos” de esquerda e de direita. Com ditaduras. Mas é claro que os países latino-americanos passaram e passam por problemas comuns. São países da periferia do capitalismo, sofrem males parecidos — pobreza, corrupção, migração interna, urbanidade problemática, violência, etc. Vargas Llosa vê Os sertões como um livro de interpretação não só do Brasil, mas da própria América Latina. Ele chega a afirmar sobre o livro de Euclides: “Creio que vale por muitas coisas, mas sobretudo porque é como um manual de latino-americanismo, quer dizer, neste livro se descobre primeiro o que não é a América Latina. A América Latina não é tudo aquilo que nós importávamos. Não é tampouco a Europa, não é a África, nem é a América pré-hispânica ou as comunidades indígenas — e ao mesmo tempo é tudo isso mesclado, convivendo de uma maneira muito áspera e difícil, às vezes violenta. E de tudo isso resultou algo que muito poucos livros antes de Os sertões haviam mostrado com tanta inteligência e brilho literário”. Vejo aqui um ponto importante, que pode efetivamente explicar a razão de Vargas Llosa ter se interessado tanto pelo clássico euclidiano.

Rinaldo de Fernandes

É escritor e professor de literatura da Universidade Federal da Paraíba. Autor de O perfume de Roberta, entre outros.

Rascunho