Vargas Llosa e Euclides da Cunha: confluências (5)

Antonio Conselheiro é um personagem central tanto em Os sertões como em A guerra do fim do mundo
Mario Vargas Llosa, autor de “A guerra do fim do mundo”
01/04/2013

Antonio Conselheiro é um personagem central tanto em Os sertões como em A guerra do fim do mundo. Daí a questão inevitável: como o Conselheiro é visto nas duas obras? Em Euclides, um personagem mais complexo. Um místico com um enorme poder de liderança, que pregava um catolicismo primitivo e que fundou uma comunidade com fins assistencialistas. Em Vargas Llosa há uma caricatura do Conselheiro. O narrador de A guerra do fim do mundopinta um líder religioso fanático — e fica a idéia no romance de que o fanatismo em si explica a dimensão complexa dessa figura. O curioso é que o romancista, numa entrevista a Ricardo A. Setti, publicada no Brasil em 1986, revelou ter grande respeito pelo Conselheiro, chegando a considerá-lo um gênio. Vale a pena reproduzir o que Vargas Llosa disse na entrevista: “… creio que o genial do Conselheiro foi que ele converteu tudo o que era defeito em virtude. O que deu aos jagunços foi uma possibilidade de interpretar essa condição desamparada e trágica que eles tinham como algo que podia enobrecê-los e dignificá-los. Ou seja: ser extremamente pobre, graças à prédica do Conselheiro, se converteu em ser eleito. Eles eram os mais pobres porque tinham um sinal de eleição. Eram os chamados, porque ser os mais pobres era ser os mais puros, de certa forma. Era poder assumir de uma maneira mais íntegra, mais completa, a fé, a crença em Deus. O Conselheiro lhes deu, além disso, um orgulho de seus costumes. Daí o fato de muitos bandidos se oporem à República. Por que iriam os bandidos guerrear contra os republicanos? Afinal, muitos bandidos não eram tão beatos. Eles iam porque, graças à pregação do Conselheiro, começavam a sentir-se orgulhosos de sua maneira de ser. Havia como que uma reivindicação de uma condição, um orgulho que confere dignidade à gente que não tinha isso, que era realmente a escória da terra. Eles eram diferentes, sim, mas eram os defensores de algo — defendiam a fé. O que eles defendiam era algo que podiam entender. A República eles não podiam entender — como seres primitivos, como eles poderiam compreender essas abstrações positivistas? Já a fé, essa fé fanática que lhes haviam inculcado desde há séculos os capuchinhos, isso entendiam perfeitamente bem!”. É certamente uma interpretação brilhante da figura do Conselheiro.

Rinaldo de Fernandes

É escritor e professor de literatura da Universidade Federal da Paraíba. Autor de O perfume de Roberta, entre outros.

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