Não é difícil perceber que quem quer que conte vantagens sobre si busca, por um lado, evidenciar-se, valorizar-se, afirmar-se diante do outro. E, por outro lado, pode estar narrando com certo cálculo e de certo modo, com a intenção de que a sua narrativa surta um efeito sobre o outro — um efeito que neutralize ou mesmo encubra fatos negativos, procedimentos perniciosos O narrador-protagonista do conto O anão (in Contos reunidos. São Paulo: Companhia das Letras, 1994, pp. 739-748), de Rubem Fonseca, opera para criar no leitor um efeito positivo, acolhedor. Ele recobre desvantagens pessoais com vantagens. Vejamos esse jogo entre a desvantagem e a vantagem: 1) [desvantagem] o conto se inicia com o narrador, um bancário desempregado, afirmando que sofreu um atropelamento; [vantagem 1] o narrador é acolhido por Paula, que o atropelou, recebendo dela apoio para o tratamento; [vantagem 2] o narrador, no hospital, fica aos cuidados de Sabrina, que se apaixona por ele; [vantagem 3] ainda no hospital, o narrador desperta interesse por Paula e, com as intervenções dela no tratamento dele, uma insegurança se manifesta em Sabrina, que cria rivalidade com Paula — e isto gera certa empáfia do narrador, que se vê como um indivíduo viril e valorizado. 2) [desvantagem] Sabrina morre ao despencar da escada do sobrado onde o narrador mora, quando do primeiro encontro dele com Paula; [vantagem 1] o narrador despista, mente na delegacia, construindo um álibi ao dizer que estava ausente no momento da morte de Sabrina — e aí é liberado, não fica comprometido com o crime; [vantagem 2] Sabrina morta, o narrador fica livre para continuar (com bastante furor sexual, ele se gaba) a relação com Paula; [vantagem 3] Paula é casada com um banqueiro — e estar com uma mulher rica, “branca”, é motivo de muito orgulho para o narrador. 3) [desvantagem] o anão rouba fotos de Paula, incluindo uma nua (tirada pelo narrador durante um encontro amoroso), e quer extorquir a mulher do banqueiro, ameaçando o casamento dela — e o narrador fica atordoado com essa situação; [vantagem] o narrador atrai para o apartamento dele o anão, manipula-o, finge estar intermediando uma transação — e, com muita violência, consegue reaver as fotos.