O avesso da pele (Companhia das Letras, 2020), de Jeferson Tenório, é um livro que deveria ser adotado nas escolas brasileiras. É um testemunho forte contra o nosso racismo, uma espécie de romance-protesto. É um romance em certos momentos emocionante, em outros reflexivo, em outros ainda agudo no trato de várias questões do racismo. Questões como os relacionamentos amorosos entre negros e brancos, a atuação (e o que nela pode ser relativizado) do movimento negro, as relações de gênero entre indivíduos negros, a indiferença pública (com os olhares que machucam) ao cidadão negro, as abordagens agressivas e os assassinatos de negros pela polícia — tudo é abordado na narrativa. São assuntos, pode-se dizer, que constam da literatura sociológica sobre o racismo. Porém há um grande diferencial: a construção narrativa, o modo como o escritor, nas situações narradas, aborda esses temas todos. Narrado por Pedro, filho do professor Henrique Nunes (a condição do professor de escola pública da periferia é outro tema importante do livro), o romance tem no foco narrativo e na elaboração dos personagens (especialmente na consistente construção dos anseios e atribulações do personagem Henrique) o seu ponto alto. O foco se centra, fundamentalmente, na figura de Henrique, um indivíduo negro que sofre, entre outras, violências da polícia (o capítulo quatro da terceira parte chega a enumerar sete vezes em que ele, ainda jovem, sofreu abordagens preconceituosas da polícia). É a partir da memória e dos inventos do narrador que a história de Henrique é reconstituída — os seus relacionamentos conturbados, as suas relações familiares, as suas aulas entre “tristes”, “sérias” e “apaixonadas” numa escola pública (é muito delicada a sua relação com os alunos desinteressados e afrontosos), enfim, as suas procuras e descaminhos. Leitor de Dostoiévski e de outros grandes autores, Henrique tem a literatura como um enorme valor e também busca nela um sentido de autoafirmação. O avesso da pele tem um desfecho trágico: a tragédia de sempre, que alcança tantos negros abatidos pela polícia nas periferias brasileiras. Livro pungente, um dos melhores acontecimentos literários dos últimos anos. Mais que mereceu ganhar o Jabuti.
