Um contista maranhense

Contos de Lourival Serejo têm na memória e na invenção seus eixos fundamentais
Lourival Serejo, autor de “Casablanca”
01/01/2025

Vejo nos contos de Casablanca, de Lourival Serejo, dois eixos fundamentais: o da memória e o da invenção. A memória diz respeito à presença, numa série significativa de contos, de situações que remetem à vivência no interior nordestino, especialmente no interior maranhense. São contos que trazem tipos emoldurados em quadros cujas paisagens são familiares para quem já viveu, mesmo que por um curto tempo, na pequena cidade, no vilarejo, no arruado. Nessa direção se poderia falar de certo regionalismo abrigado nas tramas — mas um regionalismo não mais da seca, do estorricado, mas de causos, quase sempre de enredos engenhosos, que giram em torno do trágico, do dramático (e a penúria/fome ainda se fazendo presente) e do jocoso. Contos modelares deste último eixo, contendo boa dose de comicidade, são O encontro marcado (com a situação mais que risível dos pernetas) e O chato (em ritmo de crônica). Como amostra do dramático e do trágico cito A professora Laura, conto muito bem realizado, com trama engenhosa, que rompe as expectativas do leitor (da fato, contratar o próprio suicídio é algo inusual, imprevisto). Esses são os eixos temáticos mais importantes do livro. Mas percebo ainda algumas outras direções. O valor do livro, da leitura (para lembrar o renomado conto Felicidade clandestina, de Clarice Lispector) entra como tema nos bons contos O bibliófilo, A história de Fátima e O gabinete de leitura; o conhecimento (ou o valor do título acadêmico) consta de O cofre. A solidão é o tema central de Ninguém. As situações típicas, os nexos tradicionais estão em O vendedor de bombons e O hóspede. Conflitos familiares (entre mãe e filha) aparecem em O desejo da menina má. Eros e Tânatos se digladiam em O confete (conto que lembra Antes do baile verde, de Lygia Fagundes Telles). Desejo e interdito e uma crítica sutil ao celibato — é disto que trata Casablanca, o bom conto que dá título ao livro. Os contos, no geral, tendem ao realismo — mas há ainda algumas tramas fantásticas. E a mais significativa do volume é O passageiro, um conto poético narrado ao modo de uma lenda. São essas as minhas impressões acerca de Casablanca, um livro bem realizado, com narrativas que, no mais das vezes, deverão surpreender positivamente os leitores desse gênero sempre muito difícil que é o conto.

Rinaldo de Fernandes

É escritor e professor de literatura da Universidade Federal da Paraíba. Autor de O perfume de Roberta, entre outros.

Rascunho