Certas classificações propostas pela crítica, se não são inteiramente confiáveis, costumam se aproximar dos fenômenos literários. Num ensaio consistente, intitulado Situação e formas do conto brasileiro contemporâneo, Alfredo Bosi avalia que a narrativa curta tem assumido, entre nós, formas variadas: “Ora é o quase documento folclórico, ora a quase crônica da vida urbana, ora o quase drama do cotidiano burguês, ora o quase poema do imaginário às soltas, ora, enfim, grafia brilhante e preciosa voltada às festas da linguagem”. Dialogando em parte com o texto de Bosi, escrevi O conto brasileiro do século 21, ensaio publicado primeiro neste Rascunho e que depois constou do meu livro Vargas Llosa: um Prêmio Nobel em Canudos (2012). Neste ensaio assim tipifico o nosso conto atual: 1) vertente da violência ou brutalidade no espaço público e urbano; 2) vertente das relações privadas, na família ou no trabalho, em que aparecem indivíduos com valores degradados, com perversões e não raro em situações também de extrema violência, física ou psicológica; 3) vertente das narrativas fantásticas, na melhor tradição do realismo fantástico hispano-americano, às quais se podem juntar as de ficção científica e as de teor místico/macabro; 4) vertente dos relatos rurais, ainda em diálogo com a tradição regionalista; 5) vertente das obras metaficcionais ou de inspiração pós-moderna. Creio que, com base na tipologia de Bosi e na que propus no meu ensaio, poderei passear com mais segurança pelos contos do cearense Carlos Gildemar Pontes enfeixados no livro O olhar tardio de Maria (Edições Acauã de Fortaleza, CE; Editora Gráfica Real de Cajazeiras, PB, 2019). Advirto logo que alguns contos deste volume já circularam em coletâneas distribuídas nacionalmente, publicadas por grandes editoras, e outros obtiveram prêmios regionais importantes.