O mais recôndito de nós, quando revelado, traz certo alívio. Parece que aí reside, em literatura, uma cumplicidade do leitor com o escritor. O escritor, não raro, puxa de dentro de nós o que normalmente é irrevelável e, através da personagem, o publiciza. E o publiciza por meio de uma forma, de uma organização de palavras, de uma linguagem que provoca prazer. É, por assim dizer, o horror prazeroso. O leitor gosta do escritor porque o vê como um cúmplice que foi capaz de dizer o que disse e da forma que disse. A perturbação de certas personagens é a perturbação de muitos de nós. Muitos leitores nos reconhecemos nas personagens. Há, nestas, angústias ou patologias que nos habitam. Não é por isso que gostamos de personagens “com alma”? Gostamos porque elas são o que somos. A personagem é um espelho onde o leitor se mira — e isso, repiso, alivia essa espécie de perturbação que é o não revelado. Essa identidade do leitor com a personagem é fator decisivo na ficção.