Um poema é um horizonte entempestado (Penalux, 2022) é um livro forte e perturbador de uma estreante. Analice Chaves, com personalidade, assume um lirismo intenso, uma emoção viva em cada poema — mas é sempre uma emoção pensada, cismada com os sentimentalismos, razão pela qual eles são expurgados de seus textos. A poesia de Analice perturba pela constância de um vazio existencial, sendo por vezes francamente desassossegada. Os poemas mais angustiados estão entre os mais belos do livro. Há um encanto na forma como ela decifra a solidão, tópica reiterada em seu roteiro poético: “Eu tanto rasguei a garganta gritando o nome do amor/ eu tanto pedi que viesse/ eu […] jurei que podia ser forte o quanto quisesse”. Por outro lado, dá um certo tumulto no leitor o modo irônico como ela desconfia ou mesmo desautoriza o gesto amoroso: “Todo amor que acaba é um espetáculo/ em auge de temporada/ de teatro lotado/ de holofote aceso/ Todo amor que acaba é um espetáculo/ estridentemente ovacionado/ com os corpos pendendo para frente/ de gratidão”. Também são belos os poemas que retratam o mar, a praia. É para o mar que umas tantas vezes o eu lírico se dirige para flagrar imagens como: “Lanço esta mensagem ao mar/ às trovoadas do Atlântico e aos estômagos das baleias”. O caráter contemplativo da poesia de Analice tem na configuração do mar o seu ponto mais alto. Mas é um mar que não afasta as angústias — é espelho da solidão: “Moro nesta ilha e ela mora em mim/ sou eu e a trilha de formigas que circula o jardim/ […]/ sou eu e meu medo do mar”. Um mar às vezes furioso, intimidativo, que ameaça “engolir cidades”. O processo metafórico de Analice Chaves é singular, muito bem elaborado. Duas metáforas se destacam em seus poemas: a do tigre e, em especial, a do abismo. O tigre aparece em Época de ventania na sua acepção mais corriqueira, como “promessa de um susto” (como, em certo sentido, o do conto Bestiário, de Cortázar, citado pela autora) — mas como a cidade está “lotada de tigres”, o significado da palavra alça voos e remete ao desassossego e/ou dificuldade da convivência humana. O abismo, por sua vez, é signo do perigo, do risco — ou do desafio de viver: “[…] me disseram que minha doença era gostar de andar nas quinas dos abismos […]”. O vento, ou a tormenta (que torna o horizonte “entempestado”), é outra metáfora a que a autora recorre reiteradamente. E vem como um registro, não raro ritmado com esmero, do tumulto interior do eu lírico: “O último amor quando curou-se/ curou-me tudo/ dos medos e das coragens/ dos ventos e das vertigens”. Registre-se ainda o emprego eficaz da antítese, o que torna alguns poemas ainda mais expressivos: “lá fora estou muito contente/ um intervalo entre chuvas/ […]/aqui dentro eu tenho quase nada/ e até estremeço de tão urgente”. E o recurso da metalinguagem, que estrutura o bom poema final do livro. Um poema drummondiano, sobre os embates do poeta com a palavra: “em algum momento […]/ vou encontrar a palavra de que preciso/ Pra dizer que o que sinto é diferente do que alcanço”. A poesia de Analice Chaves é para ser degustada como um bom vinho. Ou para ser lida ao som de um rock angustiado.