Poemas modernistas (2)

"Família", poema de Carlos Drummond de Andrade, elenca os tipos humanos que constituem a família tradicional brasileira de classe média
Carlos Drummond de Andrade, autor Alguma poesia
01/05/2020

Família, que consta de Alguma poesia (1930), de Drummond, elenca os tipos humanos que constituem a família tradicional brasileira de classe média (em especial, a de classe média baixa), com destaque para a condição da mulher, a que “trata de tudo”. Um olhar que percebe, no interior da família de base patriarcal, a mulher se desdobrando para manter a instituição em funcionamento. O poema arrola também vários objetos, animais e ritos familiares. Sem deixar de expor os apuros financeiros da família, de situar-lhe ainda os sonhos e as crenças: “Três meninos e duas meninas,/ sendo uma ainda de colo./ A cozinheira preta, a copeira mulata,/ o papagaio, o gato, o cachorro,/ as galinhas gordas no palmo de horta /e a mulher que trata de tudo.// A espreguiçadeira, a cama, a gangorra,/ o cigarro, o trabalho, a reza,/ a goiabada na sobremesa de domingo,/ o palito nos dentes contentes,/ o gramofone rouco toda a noite/ e a mulher que trata de tudo.// O agiota, o leiteiro, o turco,/ o médico uma vez por mês,/ o bilhete todas as semanas/ branco! mas a esperança sempre verde./ A mulher que trata de tudo/ e a felicidade”. No meio do caminho, também de Alguma poesia, é um poema polêmico, porém inteiramente inserido no ideário da poesia modernista. Composto de versos livres, rimas livres e palavras (ou sintagmas) em liberdade. A metáfora da pedra como óbice ou obstáculo que se interpõe ao fluir da existência deu certa popularidade ao poema, que se tornou um emblema do modernismo brasileiro. O poema foi, assim, uma novidade difícil de ser deglutida pelos mais circunspectos ou tradicionalistas — mas recebeu logo os aplausos dos que já tinham aderido ou estavam aderindo à nova poética: “No meio do caminho tinha uma pedra/ tinha uma pedra no meio do caminho/ tinha uma pedra/ no meio do caminho tinha uma pedra.// Nunca me esquecerei desse acontecimento/ na vida de minhas retinas tão fatigadas./ Nunca me esquecerei que no meio do caminho/ tinha uma pedra/ tinha uma pedra no meio do caminho/ no meio do caminho tinha uma pedra”.

Rinaldo de Fernandes

É escritor e professor de literatura da Universidade Federal da Paraíba. Autor de O perfume de Roberta, entre outros.

Rascunho