Poemas infantis de Cecília Meireles (3)

O aconchego da casa da avó e a beleza efêmera de uma flor
Cecília Meireles, autora do livro “Viagem”
01/02/2023

Concluindo a abordagem de poemas do livro Ou isto ou aquilo, de Cecília Meireles, temos A avó do menino: “A avó/ vive só/ Na casa da avó/ o galo liró/ faz ‘cocorocó!’/ A avó bate pão de ló/ e anda um ven-to-tó/ na cortina de filó// A avó/ vive só/ Mas se o neto meninó/ mas se o neto Ricardó/ mas se o neto travessó/ vai à casa da vovó,/ os dois jogam dominó”. Poema lúdico, sonoro, em que os versos, todos, terminam em “ó”. A avó, ainda atuante, operosa em seu cotidiano, tem a solidão aplacada pela presença do neto travesso “Ricardó”. É ao neto e suas travessuras que o caráter lúdico/recreativo (proporcionado pela sonoridade cerrada) do texto remete. Poema divertido, brincante. Por fim, Uma flor quebrada: “A raiz era a escrava,/ descabelada negrinha/ que dia e noite ia e vinha/ e para a flor trabalhava// E a árvore foi tão bela!/ como um palácio. E o vento/ pediu em casamento/ a grande flor amarela// Mas a festa foi breve,/ pois era um vento tão forte/ que em vez de amor trouxe morte/ à airosa flor tão leve// E a raiz suspirava/ com muito sentimento/ Seu trabalho onde estava?/ Todo perdido com o vento”. O poema trata da beleza e sua transitoriedade, com a metáfora da flor que, bela e frágil, é abatida pelo vento. Há ainda a referência ao trabalho extenuante da raiz para dar suntuosidade à flor — o que remete a um outro sentido de beleza, ao de que ela é efeito de uma produção, de uma faina penosa. A metáfora da flor quebrada, a principal, aponta mesmo para a beleza destroçada ou invalidada por sua efemeridade.

Rinaldo de Fernandes

É escritor e professor de literatura da Universidade Federal da Paraíba. Autor de O perfume de Roberta, entre outros.

Rascunho