Em 1998, Paulo Coelho foi o segundo escritor mais vendido no mundo. Nunca foi e dificilmente será, mesmo vendendo muito na França, aceito pela academia e pelos intelectuais brasileiros — embora, aqui e ali, apareça um dizendo que o leu. Leu — e vem logo o reparo — mas não gostou. Aqui, uma das principais razões é o fato de que o que vem da mídia, para grande parte dessas pessoas (entre as quais me incluo), não tem valor, é descartável. Todo escritor que vende, em princípio, não presta. A literatura de Paulo Coelho é tida como de auto-ajuda — quase um palavrão na universidade (que deveria de algum modo estudar também esse tipo de texto). A excelente escritora Lya Luft (quem já leu, por exemplo, um romance como O quarto fechado sabe que isso é verdade, que ela é excelente) hoje virou uma maldição no meio literário brasileiro porque, de uma hora para outra, e talvez sem ter esse propósito, passou a fazer literatura adotando a fórmula Paulo Coelho. Pelo que percebi em algumas entrevistas, ela abomina ser chamada de escritora de auto-ajuda. Sendo ou não sendo, é no momento confundida com tal — e vende muito, está no topo das listas já faz algum tempo. Jô Soares, que faz romance policial misturado com romance histórico, sempre recheado de sátira, vende muito porque, além do texto ágil (e se não fosse também isso não venderia tanto), já tem, de saída, o suporte de seu programa noturno. Contudo, na relação literatura e mídia, a coisa não é tão maniqueísta como alguns colocam. Na verdade, nem tudo que está ou foi veiculado pela mídia é ruim: José de Alencar é mídia; Machado de Assis é mídia; Graciliano Ramos, Guimarães Rosa, Chico Buarque — todos são mídia. Afinal, editores investiram e continuam investindo em tais autores (sobretudo se uma obra deles ganha adaptação para a tevê ou para o cinema) e os expõem nas livrarias, em certos momentos com muita propaganda (jornais, revistas, rádios, etc.), justamente para vender, para obter lucro com eles. De fato, há uma faixa de autores ou obras no mercado que têm valor (às vezes até muito valor, como os casos aí citados). Nem tudo no mercado é lixo. E escritores como Paulo Coelho, Lya Luft (em sua fase mais recente) e Jô Soares são úteis — por mobilizarem o público leitor, instituição sem a qual não existe literatura. É claro que um acadêmico e um intelectual têm, supostamente, gostos mais sofisticados — e jamais irão aceitar esses escritores como alta literatura. Mas a literatura não é feita só de obras “altas”. Para estas, há que ter preparo, informação para se perceber o seu valor. Sem um certo preparo, um indivíduo jamais vai entender Machado de Assis, jamais vai alcançar a sua importância. Mas a literatura de menor valor cabe e é também importante no sistema literário — por acionar, como eu comentava, o público leitor. Repito: a coisa não é tão simples e nem maniqueísta como posta por certas pessoas. Um leitor de alta literatura, se é justo, um dia já teve contato com a baixa literatura — o que o fez, inclusive, comparando as duas, chegar à conclusão de que prefere a primeira porque as suas densidades se ajustam mais ao seu (sofisticado — e conquistado) modo de pensar o fenômeno literário. Um leitor de baixa literatura, por sua vez, poderá desenvolver seu gosto (já que prefere mais o distrativo e o lugar-comum filosófico) e até adquirir um preparo para entender Machado de Assis ou Guimarães Rosa. E há ainda uma mistura curiosa: às vezes encontramos pessoas que lêem Paulo Coelho e que já leram, com certo aproveitamento, Clarice Lispector. Uma coisa parece certa: não gosta de alta nem de baixa literatura quem não tem qualquer contato com um texto literário. Quem nunca lê um livro.