Pai contra mãe tem dois movimentos básicos. O primeiro é uma introdução, em cinco parágrafos, em que o narrador de terceira pessoa, buscando um efeito de verdade histórica, descreve a instituição da escravidão no Brasil. Aponta como senhor e escravo se conduziam diante das fugas rotineiras do escravizado. O senhor oferecia boa recompensa para quem capturasse, sem grandes danos ao corpo, o fugitivo. O escravo sentia o peso da sua condição e, sempre que aparecia uma chance, procurava escapar das mãos do seu senhor. Nessa introdução o narrador, sutil, ironiza a instituição da escravidão, a sua ideologia, o fato de ela ter criado formas eficazes (e terrivelmente desumanas) de submeter o escravo, como é o caso da máscara que lhe tapava a boca, para impedir “o vício da embriaguez”. Uma máscara que, embora “grotesca”, servia para “alcançar a ordem”. Se a embriaguez decorria do furto de “vinténs” do senhor, com a máscara, avalia o narrador, dois “pecados” ficavam extintos, o do roubo e o da bebida — e a “sobriedade e a honestidade certas”. É visível o tom irônico do narrador. Ainda na introdução, tratando da condição do escravo, o narrador, também com ironia, afirma que eles fugiam porque “eram muitos” e “nem todos gostavam da escravidão”. Sucedia ainda de os escravos “apanharem pancada” e “nem todos gostavam de apanhar pancada”. Veja-se o sarcasmo no emprego do verbo “gostar”, pois, é claro, o escravo não gostava de ser fustigado, açoitado. Aceitava a condição pela violência a que era submetido. O segundo movimento do conto é a narrativa propriamente de Cândido Neves, a sua inaptidão para os ofícios, o seu sufoco financeiro, as investidas de Mônica (espécie de superego de Cândido Neves, sempre uma voz áspera, sempre lhe chamando a atenção para a penúria material) — até a captura da escrava Arminda e o aborto sofrido por esta.