O trabalho de interpretação

A leitura mais abrangente e valiosa é a que junta a literalidade com as inferências
01/10/2023

O texto literário pode fornecer para o intérprete dois tipos básicos de respostas: a) a resposta literal; b) a resposta inferencial. A resposta literal testa a memória do intérprete, se ele leu e reteve o texto na íntegra e na sua superfície. Aqui a resposta se encontra literalmente no texto, pode ser até sublinhada. Já a resposta inferencial exige deduções, raciocínio lógico. Nela é necessária a articulação com saberes e/ou informações anteriores, é mobilizada, em grau maior ou menor, a “bagagem intelectual” do intérprete. A resposta só é obtida após uma inferência, uma indução. Aqui, para além do que é literal, visível, aciona-se o subtexto, o que está implícito. Aqui, e sempre operando com lógica argumentativa, desenvolvem-se os sentidos do texto — com a preocupação de não hiperinterpretá-lo, de dar sentido ao que não está pelo menos indiciado na sua literalidade. Importante: não se fazem inferências sem que se passe pela literalidade do texto. São dois movimentos confluentes e complementares, o de ler o texto na sua literalidade e o de comentá-lo a partir de inferências. Se ficarmos só na literalidade, a interpretação é rasa, sem muita força. A leitura mais abrangente e valiosa é a que junta a literalidade com as inferências. É aqui que reside o verdadeiro trabalho de interpretação.

Rinaldo de Fernandes

É escritor e professor de literatura da Universidade Federal da Paraíba. Autor de O perfume de Roberta, entre outros.

Rascunho