Há alguns anos, o diretor de teatro e ator paraibano Luiz Carlos Vasconcelos tomou Sarapalha, essa história tão inquietante de Guimarães Rosa, e a transformou numa peça — a já consagrada e pelo mundo afora apresentada Vau da Sarapalha. O teatro, todos sabemos, é uma linguagem diferente da literatura. Exige outro talento. E Vasconcelos foi talentosíssimo ao pôr no palco o texto de Sarapalha. Grosso modo, o espetáculo é assim: quando adentramos o teatro, um foco de luz já incide sobre o ator (Servílio Gomes) que representa o cachorro Jiló. Nada mais expressivo: deitado, dobrado, dando tapas na orelha, respirando forte e acelerado, parece o mais corriqueiro dos vira-latas em descanso. O espectador espera a peça começar observando — e já entrando num certo clima de angústia — o cachorro no palco. O espetáculo se inicia, uma luz focaliza os dois primos (representados pelos atores Everaldo Pontes e Nanego Lira). Dois misantropos trêmulos, enrolados em lençóis, de expressão cadavérica e ansiosa — a ânsia da morte que os ronda. O mais interessante é que na peça Vasconcelos traz para um primeiro plano personagens secundários do conto de Rosa — Jiló e Ceição (esta última representada pela atriz Soia Lira). Ceição, que à sua maneira cuida dos primos, por vezes circula, faz o fogo e tem uma linguagem gutural, ininteligível. A fumaça funciona como pano de fundo do palco — e remete à névoa que envolve o rio no conto de Rosa. Névoa do amanhecer, que se associa ao frio — aquele que assalta e perturba os dois primos, abatidos pela sezão. Jiló às vezes desperta, grunhe, estabanado. Sons da natureza, guinchos são reproduzidos pelo músico Escurinho. Primo Argemiro, afinal, comunica a sua paixão por Luísa, a mulher do primo Ribeiro. Os sons aceleram. Ribeiro — a expressão sofrível, ainda mais angustiada — geme pela dor maior do ciúme. Aplausos.