O namoro das páginas: l­­iteratura e história (6)

Tanto a ficção como a historiografia, segundo Hayden White, visam uma coerência
O historiador Hayden White
01/04/2012

Tanto a ficção como a historiografia, segundo Hayden White, visam uma coerência (algo que, em termos de narrativa literária, aponta para a lógica interna produzida pela verossimilhança). Essa coerência é que confere plausibilidade ao relato. E ambas — ficção e historiografia — visam ainda corresponder à realidade: “O escopo do escritor de um romance deve ser o mesmo que o do escritor de uma história. Ambos desejam oferecer uma imagem verbal da ‘realidade’. O romancista pode apresentar a sua noção desta realidade de maneira indireta, isto é, mediante técnicas figurativas, em vez de fazê-lo diretamente, ou seja, registrando uma série de proposições que supostamente devem corresponder detalhe por detalhe a algum domínio extratextual de ocorrências ou acontecimentos, como o historiador afirma fazer. Mas a imagem da realidade assim construída pelo romancista pretende corresponder, em seu esquema geral, a algum domínio da experiência humana que não é menos ‘real’ do que o referido pelo historiador. Não se trata, pois, de um conflito entre dois tipos de verdade (que o preconceito ocidental com relação ao empirismo como única via de acesso à realidade nos impingiu), de um conflito entre a verdade de correspondência, de um lado, e a verdade de coerência, de outro. Toda história precisa submeter-se tanto a padrões de coerência quanto a padrões de correspondência se quiser ser um relato plausível do ‘modo como as coisas realmente aconteceram’. Pois o preconceito empirista é reforçado pela convicção de que a ‘realidade’ é não só perceptível como coerente na sua estrutura. Uma simples lista de afirmações existenciais singulares, passíveis de confirmação, não indica um relato da realidade se não houver alguma coerência, lógica ou estética, que as ligue entre si. Da mesma forma, toda ficção deve passar por um teste de correspondência (deve ser ‘adequada’ como imagem de alguma coisa que está além de si mesma), se pretender apresentar uma visão ou iluminação da experiência humana do mundo” (in: “As ficções da representação factual”. In: Trópicos do discurso: ensaios sobre a crítica da cultura. São Paulo: Edusp, 1994, p. 138). É bom atentar para o que White diz aí sobre os modos como a ficção e a historiografia apresentam uma visão de mundo. O romancista apresenta uma imagem da realidade “de maneira indireta” e “mediante técnicas figurativas”, enquanto o historiador busca fazer isso “diretamente” e “registrando uma série de proposições que supostamente devem corresponder detalhe por detalhe a algum domínio extratextual de ocorrências ou acontecimentos”. E a imagem da realidade apresentada pelo romancista remete “a algum domínio da experiência humana que não é menos real do que o referido pelo historiador”.

CONCLUI NA PRÓXIMA EDIÇÃO

Rinaldo de Fernandes

É escritor e professor de literatura da Universidade Federal da Paraíba. Autor de O perfume de Roberta, entre outros.

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