Às vezes as imagens eróticas, na poesia da paulistana Ana Peluso, são cruas, desabridas, ásperas, flagrando a intensidade do desejo do parceiro ou mesmo a felicidade de ser — a figura feminina que fala — desejada: “sob um membro/ dois ovos de aço”. Mesmo quando, num poema, é a voz masculina que fala, ficam os contornos precisos da figura feminina, sempre insinuante, lasciva: “você vadia/ expõe nossa vida no varal/ pendura as suas renúncias/ na forma das vestes suas/ sujas de sangue e de sêmen”. Na poesia de Peluso, aqui e ali há a utilização de trocadilhos (“o silêncio diz/ nada/ ao tímpan // e o tímpano/ nada/ no silêncio”) e ainda o aproveitamento dos espaços em branco, propagando as palavras na página, num nítido diálogo com o Concretismo. É assim, por exemplo, que o símbolo fálico se faz presente na palavra “homem”, verticalizada na página neste poema: “aprecia-se seu sexo/ na forma/ em que tenta se manter/ h o m e m”. Aqui, mais uma vez, a fala feminina e sua felicidade: por um lado, por constatar a intensidade do desejo do homem; por outro, por sentir que é por ele desejada. A felicidade da mulher, no caso, vem indicada no verbo “apreciar”, que, entre outras coisas, significa deleitar-se com. E o substantivo deleite, sabe-se, tem como sinônimo regozijo. É o regozijo, repita-se, da mulher que constata o desejo do homem e/ou se sente por ele desejada. É quase o mesmo o registro neste outro poema: “acontece/ meu sexo arde/ o teu endurece”. Com uma pequena diferença agora: a mulher “arde”, isto é, deseja efetivamente, é também sujeito — não é só objeto do desejo do homem; não sente regozijo em apenas se sentir desejada por ele. Há, portanto, aí, uma troca — desejos que se encontram. Há um exercício mútuo dos desejos feminino e masculino. Portanto, e para concluir, é na mulher feliz pelo exercício do desejo do homem e no exercício do seu próprio desejo que se tece a poética erótica de Ana Peluso. Uma poética que, no seu despojamento, ousadia e força, aponta para a dicção mais autêntica da poesia que certas mulheres têm praticado e que, muito provavelmente, continuarão praticando no século 21.