Menino de engenho (de início, o propósito do escritor era produzir uma biografia de seu avô), primeiro romance de José Lins Rego, publicado 11 anos antes de Fogo morto, fixa um elemento que será fundamental em vários livros do paraibano — a memória. Com efeito, é a memória, a lembrança do mundo da infância em engenho, que irá compor o cerne dessa narrativa de linguagem espontânea, natural (estratégia do escritor, que quer, como já atentou Silviano Santiago, que seu relato crie no leitor uma “ilusão do real”, ou seja, que, contornando os artifícios da ficção, pareça mais um livro de memórias e menos um romance), marcadamente lírica. O narrador do livro, nostálgico, é angustiado, atribulado em suas recordações. O comentário, consistente, é de Neroaldo Pontes de Azevedo: “A narrativa em primeira pessoa proporciona uma contaminação entre o adulto narrador e a criança protagonista. A criança, por sua vez, contamina o narrador, que se mostra nostálgico do tempo que passou, buscando na arte a recuperação do tempo perdido. Mas a descrição do mundo vivido pela criança é feita pela ótica de alguém que pertencia à classe dominante e que fruíra dos favores da situação. A distância temporal confere ares místicos a esse mundo que já então se desagregara. É o narrador adulto contaminando o mundo da criança. Não se vê caracterizado o nível de tensão entre as classes em conflito. A figura do patriarca José Paulino, senhor de engenho, avô do menino Carlos de Melo, é retocada com pinceladas destinadas a mostrá-lo como amigo dos cabras do eito. O nível de tensão resvala do social para o psicológico […]”. Mesmo sendo o foco centrado nas angústias do menino examinadas por um narrador adulto, é entrevista em Menino de engenho a degradação do mundo em volta. Em José Lins, opina Otto Maria Carpeaux, e está de acordo Sérgio Milliet, há uma exata aderência de “assunto com estilo”. Milliet aprofunda a questão: “Assim como suas personagens se movem com naturalidade e universalidade, sua língua se evidencia despida de gongorismos, e seu estilo se revela inteiramente funcional”. Vai nessa direção a pesquisa pioneira de Sônia Lúcia Ramalho de Farias sobre Pedra Bonita e Cangaceiros (romances postos fora do ciclo da Cana-de-açúcar, nos quais José Lins, “pela primeira vez”, recorta como tema principal “dois fenômenos da cultura dominada” — o messianismo e o cangaço). Sônia Lúcia aborda dois aspectos centrais no estilo dessas duas obras: a oralidade e a redundância. Nesses dois romances, ao tema popular corresponde uma forma narrativa baseada em expressões populares. Neles, via de regra, “a apreensão das experiências relatadas se dá pela recorrência a uma técnica narrativa que visa, através de determinados recursos estilísticos, incorporar, no produto literário erudito, as formas lingüísticas e estéticas peculiares à comunidade nordestina e às suas manifestações culturais”. Um desses recursos consiste, justamente, em “representar o traço de oralidade e a marca da redundância, características das mais marcantes na literatura popular”. José Lins do Rego, para concluir, além de ficcionista, foi cronista esportivo. Traduzido em vários países, teve obras levadas para o cinema. Tomou posse na Academia Brasileira de Letras em 1956, ano anterior ao de sua morte.