Poética “do descarnado, do ósseo, do pétreo”. Poesia com caráter de “construção”, de “engenharia”. Poesia “nominal”, “substantiva” – da “objetividade”. João Cabral de Melo Neto deu um “salto participante”, como bem afirma Alfredo Bosi, com a publicação, em 1950, de O cão sem plumas. Ou o cão sem pêlos — imagem do Capibaribe, rio de lama, que “carreia os detritos dos sobrados e dos mocambos recifenses” (Bosi) e que se confunde com a miséria às suas margens. Com o poema narrativo Morte e vida severina, de 1956, o poeta pernambucano tornou-se ainda mais social. O poema, como bem observou o professor Modesto Carone, foi o primeiro em nossa literatura a tratar dos “contornos reais do Nordeste”. Duas questões semânticas simples, mas sempre boas de serem debatidas: o que é a morte e o que é a vida severina? No sentido que Cabral elabora, a morte severina é a morte condicionada socialmente. Ou seja, a morte não por razões naturais, mas por injunções sociais: “[…] a morte de que se morre/ de velhice antes dos trinta,/ […] de fome um pouco por dia/ (de fraqueza e de doença/ é que a morte severina/ ataca em qualquer idade,/ e até gente não nascida)”. No poema, as mortes decorrem ou por desnutrição ou por emboscada (remetendo ao conflito agrário). Por sua vez, a vida severina é aquela que se faz na carência, na falta de meios de sobrevivência. Interessante que, no poema, como na tradição da boa literatura sertaneja, a imagem do retirante é a de um tipo digno, honesto: trata-se de um lavrador (“[…] fui sempre lavrador/ lavrador de terra má”) que também já trabalhou como vaqueiro e que, em certos passos da vida, veio ainda a atuar em engenho. Na grande literatura, nunca coube (ou nunca foi “politicamente correto”) associar a imagem do retirante nordestino à do malandro ou à do desocupado. O Severino do poema é um trabalhador empurrado para fora da terra pela esterilidade desta e pela estrutura econômico-social. Algo, aliás, que já tinha sido muito bem explorado pelo Romance de 30.