Guimarães Rosa (1): “Meu Tio o Iauaretê” e Augusto Matraga

Recebi convite da Prefeitura de Belo Horizonte, por meio da Fundação Municipal de Cultura, e a Câmara Mineira do Livro, para produzir um texto sobre Guimarães Rosa
João Guimarães Rosa, autor de “Ave, palavra”
01/09/2006

(Recebi convite da Prefeitura de Belo Horizonte, por meio da Fundação Municipal de Cultura, e a Câmara Mineira do Livro, para produzir um texto sobre Guimarães Rosa para constar da programação do 7º Salão do Livro e Encontro de Literatura de Belo Horizonte, realizado no período de 10 a 20 de agosto de 2006. Publico aqui o texto numa série de três colunas).

A primeira narrativa de Guimarães Rosa que li e que me impressionou imensamente foi o conto Meu Tio o Iauaretê. Nunca havia me deparado com nada parecido. Achei incrível a forma como o escritor retratou um homem rústico, rarefeito e, ao mesmo tempo, espesso. Muito espesso. Um homem que caça e convive com onça, cuja experiência — e mesmo muito de sua linguagem — se rege a partir da relação com o animal. Conviver com onças… a metáfora não poderia ser mais apropriada! Mas o que mais me rendia era o ritmo da narrativa, as rupturas e retomadas, a fala febril e monológica do personagem, as recordações fragmentadas dele, enfim, a força da oralidade. Assim: “Eh, urrou e mecê não ouviu, não. Urrou cochichado… Mecê tem medo? Tem medo não? Mecê tem medo não, é mesmo, tou vendo. Hum-hum. Eh, cê tando perto, cê sabe o que é que é medo! Quando onça urra, homem estremece todo… Zagaieiro tem medo não, hora nenhuma. Eh, homem zagaieiro é custoso achar, tem muito pouco. Zagaieiro — gente sem soluço…”. Foi então que descobri Sagarana. E segui nas pisadas do burrinho pedrês, sorri com as tramóias de Lalino Salãthiel, parei nas dores e amores dos primos Ribeiro e Argemiro, deitei no duelo de Cassiano Gomes contra Turíbio Todo, ouvi Bento Porfírio bater na água, rolei na reza forte de João Mangolô (Güenta o relance, Izé!), topei com Manuel Fulô, tardei na conversa dos bois… e fui tomado novamente por uma outra narrativa de Rosa: A hora e vez de Augusto Matraga. Trata-se de texto extraordinário, costurado em movimentos certeiros: a rispidez e ruindade do protagonista, a sua queda física e moral, a sua pena e penitência, a sua conversão em homem do bem, a notável síntese de valores (bondade e coragem) que reúne em seu espírito para, com valentia e certo júbilo, enfrentar Joãozinho Bem-Bem, o mais bruto dos chefes jagunços. O roteiro do conto (ou novela) me instigou bastante, o duplo da construção dos personagens, que ora estão num lugar, ora noutro.

Rinaldo de Fernandes

É escritor e professor de literatura da Universidade Federal da Paraíba. Autor de O perfume de Roberta, entre outros.

Rascunho