Ecos de Machado na ficção recente

O romance "Leite derramado", de Chico Buarque, e o conto Capitu sou eu, de Dalton Trevisan, estabelecem pontes com a obra do autor de "Dom casmurro"
O compositor e romancista Chico Buarque, autor de “Leite derramado”
01/12/2020

Há certos textos de ficção recentes que empreendem intertextos importantes, ou pelo menos operam alusões, com a ficção de Machado de Assis. Cito dois casos: o romance Leite derramado, de Chico Buarque, e o conto Capitu sou eu, de Dalton Trevisan. Creio que Roberto Schwarz, na resenha Brincalhão, mas não ingênuo, publicada na Folha de S. Paulo, operou uma ponte ou deu um mote poderoso sobre as relações do romance de Chico Buarque com Machado de Assis, ao afirmar, nas seguintes sequências: “Os amigos de Machado de Assis notarão o paralelo com Dom Casmurro”; “À maneira do Machado da ‘Teoria do Medalhão’, o romancista fixa um tipo nacional”; “Como ele mesmo [Eulálio] é o narrador, temos uma situação literária machadiana, em que a crítica social não se faz diretamente, mas pela autoexposição ‘involuntária’ de um figurão”. Este último aspecto me parece o mais relevante da resenha de Schwarz. Pode render excelentes pesquisas e pontes com outros textos da ficção nacional (como São Bernardo, de Graciliano Ramos). Já em Capitu sou eu rende bem o debate que o conto oferece sobre Capitu, já que o aluno por quem a professora é apaixonada defende o adultério da personagem de Dom Casmurro. E a professora do conto soa como uma anti-Capitu, uma vez que se deixa levar, e até humilhar, por uma paixão avassaladora.

Rinaldo de Fernandes

É escritor e professor de literatura da Universidade Federal da Paraíba. Autor de O perfume de Roberta, entre outros.

Rascunho