O cearense João Matias, no livro Os santos do chão bravo, traz contos substantivos, com temáticas bastante atuais. Eu sou a última, por exemplo, é cirúrgico na abordagem da violência urbana. João Matias elege Cidade Grande como uma mitologia pessoal — é ela o ambiente em que as figuras ficcionais transitam, se confrontam. O regionalismo do autor se desdobra — traz imagens já cristalizadas pelo conto e pelo romance regionalistas tradicionais somadas a situações que são do nosso tempo, de nossas cidades grandes, médias e, mesmo, pequenas, neste mundo globalizado que tende a equiparar os espaços. Em cada conto há essa simbiose de tempos, há essa mescla do arcaico e o contemporâneo. Questões como o mando e sua violência, a condição do trabalhador, os impasses nas relações familiares. Miséria, seca, violência no campo — e tudo tratado com uma ironia que lembra o velho e bom Dalton Trevisan, de quem o autor cearense é um confesso admirador. João Matias é um Dalton voltado para a vida no Nordeste. É impiedoso, como cabe aos bons contistas. Percebo, em relação ao seu livro anterior, que houve um crescimento considerável — no domínio do estilo (mais solidificado), na construção dos personagens, na invenção de enredos, na poeticidade de certas descrições. No primoroso conto Os santos do chão bravo há uma mistura feliz do violento e do profano na ligação entre os padres — e o detalhe, bastante significativo, do raio de sol nos santos é um verdadeiro achado poético e, dentro da trama, um recurso semântico extraordinário. Por sua vez, O gosto ácido da vida, do maranhense José Neres, traz textos compactos ao extremo, com aquilo que está na base do mini e do microconto: flagrar uma situação não raro cruel de conflito humano e deixar que os significados do texto sejam preenchidos pelo leitor. Às vezes ainda há a presença de um instantâneo poético desconcertante, o que dilui a fronteira do miniconto com o poema. E é essa a tônica de boa parte dos textos de José Neres. Destaco, do conjunto, Consulta (o tema, tão recorrente nos textos do autor, da guerra conjugal, explorada com maestria por Dalton Trevisan), Desconfianças (a ambiguidade do desfecho mexe com a imaginação do leitor), Obediência (novamente o tema trevisaniano do conflito conjugal), Viva (primoroso microconto que insere Eros no centro da vida), Prazer (texto de um hiper-realismo impiedoso), Pensão (que flagra uma infidelidade, mas deixa no subtexto uma sugestão de atroz vingança) e Único (em que o autor sintetiza todo o enredo de um romance num microconto). João Matias e José Neres são contistas com traçados próprios, mas que dialogam em uns tantos pontos com o mestre de muitos Dalton Trevisan.