Antonio Candido tem um ensaio elucidativo sobre a crônica, no qual afirma que, filha do jornal, comunicativa por pendor, a crônica consegue, com humor, com uma linguagem natural, espontânea, praticamente “conversar com o leitor”. A crônica é leve e, na sua simplicidade, ajuda a dimensionar os temas a que o cronista se dedica. Na mão do cronista, o assunto grave, sisudo, fica ao alcance de todos — enfim, as coisas complicadas da vida descem de seu cume, ficam “ao rés do chão”. A crônica, que poderia ser descartável como o jornal que a envelopa, ganha sentido de permanência quando transposta para o livro. E se fazem permanentes, têm força de grande literatura, as crônicas do cearense Raymundo Netto enfeixadas no livro Crônicas absurdas de segunda (Edições Demócrito Rocha), que foi finalista do Prêmio Jabuti de 2016 e que traz um prefácio saboroso e esclarecedor de Ana Miranda e uma introdução do historiador da literatura cearense Sânzio de Azevedo. Retiro do prefácio de Ana Miranda dois trechos que definem bem a crônica de Raymundo Netto. No primeiro, a autora de Boca do inferno alerta: “O texto de Netto é descansado, sonhador, ambulante e dialogado, nunca em silêncio. Nunca solitário. Não se importa com o realismo e mesmo quando é realista carrega a fantasia da memória”. Adiante, Ana Miranda anota: “O seu narrador me faz lembrar um senhor de chapéu coco e fraque, muito elegante, cortês. Entusiasmado e fervoroso, vaga pelas ruas a olhar tudo e conversar com quem aparece ali. Gosta de conversa. Um narrador carregado de sentimentos, uma afetividade à flor da pele, e um pouquinho de malícia. Fala num tom de certo gracejo inocente, aproveitando todos os momentos para chistes e improvisos”.