Contos de Carlos Ribeiro (3)

Traços cenográficos de Salino Lalãthiel é uma das melhores narrativas dos “Contos Reunidos” do autor baiano, em que demonstra grande domínio narrativo
O contista baiano Carlos Ribeiro
02/06/2021

Violência ou brutalidade no espaço urbano é uma das vertentes do conto atual que aponto no ensaio O conto brasileiro do século 21, já publicado por este Rascunho. O segredo, que consta dos Contos reunidos de Carlos Ribeiro e que já integrou a coletânea Contos cruéis: as narrativas mais violentas da literatura brasileira contemporânea (Geração Editorial, 2006), é sobre um jornalista que vai fazer uma investigação sobre rituais de magia negra na periferia de Salvador e termina sendo vítima dos investigados. É um conto perverso, que toma como tema central, além da penúria social, as crendices (que levam à crueldade do sacrifício de crianças e adolescentes) e a desinformação. Obrigado, vossa excelência!, também dos Contos reunidos de Carlos Ribeiro, trata de violência policial contra um protesto de estudantes em Salvador. Narrado em forma de depoimento, a protagonista, que fica com sequelas por causa das atrocidades policiais, termina ironizando a tirania contra estudantes indefesos — e tomando consciência do que está por trás do confronto. Outra vertente que identifico no ensaio O conto brasileiro do século 21 é a dos Relatos metaficcionais ou de inspiração pós-moderna. Traços cenográficos de Salino Lalãthiel é uma das melhores narrativas dos Contos reunidos do autor baiano. Contendo um refinamento técnico, em que o ato de produção de uma peça teatral resulta na própria elaboração do conto, nele é pleno o domínio narrativo do autor. O relato, que integrou a coletânea Quartas histórias: contos baseados em narrativas de Guimarães Rosa (Garamond, 2006), coloca Guimarães Rosa na Salvador de hoje, sobretudo nos baixos do Elevador Lacerda. O recurso da metalinguagem centraliza a narrativa, já que o conto de Carlos Ribeiro tem na base de seu enredo a adaptação para o teatro de Traços biográficos de Lalino Salãthiel ou A volta do marido pródigo, de Rosa. O conto, por assim dizer, encena essa adaptação. O universo do teatro entra não só como tema, mas integra ou é fator central da organização da narrativa. Minha boa senhora, que constou da coletânea Capitu mandou flores: contos para Machado de Assis nos cem anos de sua morte (Geração Editorial, 2008), também é obra de metaficção, pois recria o conto O enfermeiro, de Machado de Assis. Mas agora se trata de uma enfermeira que irá cuidar de uma viúva. Portanto, a perspectiva é alterada em relação ao enredo machadiano. Contudo, a mudança de perspectiva não modifica essa espécie de paráfrase que Carlos Ribeiro faz tão bem do universo machadiano, focando de muito perto a natureza ambígua e interesseira dos seres.

Rinaldo de Fernandes

É escritor e professor de literatura da Universidade Federal da Paraíba. Autor de O perfume de Roberta, entre outros.

Rascunho