Coisas de Chico Buarque (2)

Por que Chico Buarque se tornou uma pessoa reservada, de difícil acesso? Chico, todos sabemos, sempre foi tímido
Chico Buarque, autor de “Anos de Chumbo e outros contos”
01/11/2007

Por que Chico Buarque se tornou uma pessoa reservada, de difícil acesso? Chico, todos sabemos, sempre foi tímido. Parece não querer, agora mais do que antes, que sua vida privada se torne pública. Não quer misturar as coisas. Não sei se ele está querendo fugir da banalidade com que a mídia costuma transformar os ídolos — e preservar, assim, a imagem de artista de destaque, de grande valor na nossa cultura. A mídia banaliza muito as pessoas, está atrás de superficialidades. Mas o fato é que ultimamente, fugindo da mídia, Chico tornou-se muito presente nela. Isso é um paradoxo, mas é verdadeiro. Uma coisa curiosa: foi, sobretudo, depois que se tornou romancista, nos anos 90, que Chico passou a fugir da imprensa. Talvez isso se explique pelo receio de que os jornalistas o empurrassem para um discurso mais sofisticado, mais intelectualizado. Já pensou Chico explicando para o grande público o enredo do Estorvo ou a situação-limite de Benjamim Zambraia? Não sei, acho que ficaria difícil para um tímido inveterado, que não gosta muito de pousar de intelectual. Poderia ser também uma espécie de defesa contra os eventuais críticos de seus romances. Mas, quanto a isso, Chico continua sendo uma unanimidade — seus romances agradam ao público e à crítica. E poderia, por fim, ser charme de escritor (mesmo porque Chico sempre foi um personagem da mídia; querendo ou não, enquanto artista, sempre se beneficiou e continua se beneficiando dela). Chico tem todo direito de, a essa altura, fazer charme. Por que não? O que mais impressiona em Chico é a capacidade que ele tem de ser talentoso em tudo o que faz. Escrever uma letra de música não é a mesma coisa que escrever um romance ou uma peça teatral — mas ele acerta em tudo. Isso é admirável nele. Certamente, enquanto letrista, ele é único em nosso cancioneiro. Construção, por exemplo, talvez seja o texto que mais consiga convencer a crítica de que Chico é um poeta. É magistral a permuta de palavras proparoxítonas que ele opera no final de cada verso, para caracterizar a situação-limite do operário. Uma montagem fabulosa, na qual cada verso tem um poder definidor de uma condição de vida. O poeta e ensaísta Mário Chamie, no livro Chico Buarque do Brasil, tem um ensaio pertinente que mostra o quanto Chico bebeu nas vanguardas poéticas para elaborar essa letra.

Rinaldo de Fernandes

É escritor e professor de literatura da Universidade Federal da Paraíba. Autor de O perfume de Roberta, entre outros.

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