A canção de Chico Buarque “Las muchachas de Copacabana” (1985) tem uma construção interessante. Lembremos parte da letra: “Se o cliente quer rumbeira, tem/ Com tempero da baiana/ Somos las muchachas de Copacabana/ Cubanita brasileira, tem/ Com sombreiro à mexicana/ Somos las muchachas de Copacabana/ […]/ Quer uma amazona, o gringo tem/ Um domingo com a havaiana/ Somos las muchachas de Copacabana/ Se quer uma pecadora, tem/ Uma loura muçulmana/ Somos las muchachas de Copacabana/ […]/ Atração da Martinica, tem/ Uma chica sergipana/ Paraguaia da Jamaica, tem/ Balalaica peruana/ Corcovado em Mar del Prata, tem/ Catarata de banana/ Índia canibal, na certa tem/ E é a oferta da semana/ Somos las muchachas de Copacabana”. O poeta, ao dar um nome “de guerra” às prostitutas expostas na vitrine de Copacabana, não vai selecionando qualquer um desses nomes, em absoluto. Na verdade, as mulheres que desfilam aí são identificadas como “cubanita brasileira”, “amazona”, “havaiana”, “loura muçulmana”; são identificadas principalmente como “atração da Martinica”, “chica sergipana”, “paraguaia da Jamaica”, “balalaica peruana” ou “índia canibal”. Está visto, portanto, que o poeta deseja dar um outro sentido a esses nomes “de guerra”. Deseja extrapolar o significado comumente dado a eles. E que sentido é esse? É aquele que aproxima prostituta de nação. Prostitutas/nações. Na segunda série acima, que faz parte da última estrofe da canção, tirando-se o adjetivo “sergipana”, todos os outros adjetivos e substantivos referem-se a nações: é o caso de “Martinica”, “paraguaia”, “Jamaica”, “peruana” e “Índia”. Assim, não há dúvida quanto à aproximação feita pelo poeta (prostitutas/nações). Uma coisa quer significar a outra. Note-se que as nacionalidades aí são sempre do Terceiro Mundo (há ainda a “cubanita brasileira”). Assim, subjaz a crítica do poeta a um certo imaginário do Primeiro Mundo, principalmente europeu, que tem a mulher dos trópicos mais como um elemento sensual, degustável. Afinal, o “cliente” aludido é quem detém o poder (econômico) de saborear essa sensualidade à venda. Mas o mais importante é a metáfora que fica: o Terceiro Mundo é uma prostituta que alimenta o apetite do Primeiro Mundo. Esse apetite é de natureza sexual… e econômica. Uma coisa se liga a outra. Ter potência sexual, no caso, é ser potente economicamente. É bastante significativo o fato de Chico Buarque, nesse trecho de “Las muchachas de Copacabana”, identificar as prostitutas com as nações do Terceiro Mundo. O poeta, desta forma, subverte o conceito que tradicionalmente nos é dado de nação — espaço onde vivem pessoas ligadas por laços históricos, econômicos e culturais. Conceito, aliás, positivo do termo — e mais potencializado pela ideologia dominante. O poeta subverte também a noção de sentimento patriótico, ligado, entre outras coisas, à idéia de prosperidade. Isto porque o seu conceito de nação, no caso, é negativo. Uma leitura possível é: as nações a que se refere (povos do Terceiro Mundo) levam uma vida… igual à das prostitutas.