Anotações sobre romances (9)

Gatsby (de O grande Gatsby, de F. Scott Fitzgerald) é metáfora e base da ideologia do Novo Rico
F. Scott Fitzgerald, autor de “O grande Gatsby”
02/05/2014

Gatsby (de O grande Gatsby, de F. Scott Fitzgerald) é metáfora e base da ideologia do Novo Rico. Gatsby é rico sem ter origem na riqueza — daí a necessidade de manusear símbolos típicos dos ricos tradicionais (como o fato de, segundo afirma ao narrador Nick, ter frequentado Oxford). Mas o personagem também incorpora a ideologia daqueles que estão “fadados a vencer”. Exemplo disso é o roteiro (roteiro dos que, pela disciplina diária, podem “chegar lá) escrito num livro que o protagonista tinha quando criança e mostrado para Nick Carraway na tarde do velório de Gatsby pelo pai deste último:

Levantar da cama – 6h
Exercício com halteres e escalada de parede – 6h15-6h30
Estudar eletricidade etc. – 7h15-8h15
Trabalho – 8h30-16h30
Beisebol e esportes – 16h30-17h
Praticar elocução, postura de corpo e como adquiri-la – 17h-18h
Estudar invenções necessárias – 19h-21h 

RESOLUÇÕES GERAIS

Não desperdiçar tempo no Shafters ou [um nome, indecifrável]
Deixar de fumar e de mascar chiclete
Tomar banho dia sim, dia não
Ler um livro ou uma revista edificante por semana
Economizar 5 dólares [riscado] 3 dólares por semana
Ser melhor para com os pais

Eis, repita-se, o cotidiano administrado dos que vieram para “vencer”. Mas O grande Gatsby é ainda o romance da tragédia — da fortuna que vira desgraça. Algo metaforizado no livro não só pelo assassinato de Gatsby, mas sobretudo pela casa vazia, pela ausência dos antigos convivas no velório e enterro do protagonista (é dramática a cena de Nick convocando as pessoas a comparecerem ao funeral). Gatsby, assim, é o importante que, de uma hora para outra, se apaga. É o grande que vira pequeno. Daí a forte ironia do título e que está na estrutura desse complexo e apaixonante livro, que lê o materialismo de uma época e os valores que lhe dão base de forma aguda, penetrante.

Rinaldo de Fernandes

É escritor e professor de literatura da Universidade Federal da Paraíba. Autor de O perfume de Roberta, entre outros.

Rascunho