Anotações sobre romances (7)

Teco, um rebelde garoto da classe média paulistana, que não gosta de aniversários nem de crianças, de repente se vê atraído e faz amizade com o palhaço Cachacinha (conhece-o num supermercado)
01/03/2014

Teco, um rebelde garoto da classe média paulistana, que não gosta de aniversários nem de crianças, de repente se vê atraído e faz amizade com o palhaço Cachacinha (conhece-o num supermercado). Cachacinha dá um porre (de cachaça, obviamente!) no garoto, planejando sequestrá-lo (“A idéia era simples. Deixaria o garoto escondido na perua até que fosse a hora de ligar para os pais dele e pedir o resgate.”). Cachacinha tem parceria com o também palhaço Alambique. Os dois mantêm por algum tempo Teco, o sagüi Nico e o boneco inflável Máicol Jackson no cativeiro, mas logo essa turma consegue escapar — e aí se inicia a aventura (ou desventura) de Teco, que, junto com o sagüi e o boneco, termina se juntando a uma turma ainda maior no Babelão (“Cearenses, alagoanos, pernambucanos, baianos. Tinha até gente de fora, uns uruguaios e uns bolivianos.”). O Babelão fica na degradada Cracolândia. Teco vai ser acolhido por um tempo por duas socialites (um casal de lésbicas) e acaba se projetando na mídia — mas será sempre perseguido pela dupla de palhaços Cachacinha e Alambique, que jamais demovem a idéia de seqüestrar o garoto para assegurar o resgate. Eis, em síntese, o enredo de Teco, o garoto que não fazia aniversário, que Marcelo Mirisola assina com Furio Lonza. O romance troca sinais, tornando-se uma espécie de história juvenil às avessas. É muito divertido, demolidor, com um narrador assumidamente sarcástico. Há ataques para todos os lados, atingindo várias instituições: família, mídia, políticos, pedagogos, PMs, acadêmicos, socialistes, etc. A sociedade brasileira que aparece na narrativa de Mirisola e Furio não se sustenta, é inviável, sem qualquer centro — seus hábitos sobram em canalhice e desfaçatez. E é sobretudo sob o signo da desfaçatez que os autores terminam provocando no leitor um riso que nunca mascara o asco — o velho asco que sentimos daqueles que edulcoram seus discursos para melhor perpetuar as cracolândias que nos habitam desde sempre. Nesse sentido, a narrativa de Mirisola e Furio é certeira, não perdoa.

Rinaldo de Fernandes

É escritor e professor de literatura da Universidade Federal da Paraíba. Autor de O perfume de Roberta, entre outros.

Rascunho