Seria uma sombria noite secreta, de Raimundo Carrero, é um romance do lumpemproletário. Poucos livros retrataram com tamanha sensibilidade, a partir da subjetividade das personagens, o lúmpen brasileiro, nordestino. Alvarenga, o mendigo protagonista, faz sorrir e sentir — por ser, menino, Pato Torto, por usar sapatos enormes, desproporcionais, e por estampar roupa recolhida no lixão pela mãe miserável. Alvarenga é passional e patético. Alvarenga é sombrio, o Recife do personagem é escuro. O narrador, sutil, anota: “…as poucas árvores do Recife se transformam em espectros, em garras escuras, sem folhas e sem frutos”. Alvarenga é aviltado, mas extremamente afetuoso. Ama a prostituta Raquel, e esta o ama à sua maneira. Embolam-se numa ternura imperiosa, inextricável. Raquel é a senha de sua felicidade — que entretanto lhe escapa a cada sopro da corneta. O romance de Raimundo Carrero pinta de melancolia a realidade, investindo em interioridades torturadas, dilaceradas, em vidas decididamente decadentes.