Anotações sobre romances (4)

Rinaldo de Fernandes comenta “Dois rios”, de Tatiana Salem Levy
Tatiana Salem Levy, autora de “Dois rios”
01/12/2013

Dois rios, de Tatiana Salem Levy — vencedora do Prêmio São Paulo de Literatura 2008 com A chave de casa —, investiga a infelicidade e as paixões dos irmãos gêmeos Joana e Antônio. Joana apagou-se na existência após a morte do pai, com o desmoronamento da família, definitivamente apartada. Só lhe restaram as imagens da infância feliz ao lado de Antônio, as recordações das férias de verão em Dois Rios, na Ilha Grande. A personagem empareda-se em Copacabana com a mãe decadente, neurótica. Joana e sua vida infecunda, imóvel e escura como o apartamento. Joana e sua culpa intransponível. Até que aparece Marie-Ange, a francesa que põe o mar e um horizonte à sua frente. Marie-Ange a salva das sombras, fazendo-a deslizar para a luz. Joana apaixona-se por ela. Vence a culpa, abandona a mãe, e parte com a companheira para uma ilha francesa. A paixão lhe vem como um surto impossível de prever, como também imperioso de provar. Joana e Antônio são iguais e opostos. Antônio, o pai morto, se desprende de Joana e da mãe. Percebe, resoluto, que os laços se romperam — e se retira, buscando pelos caminhos do mundo (é fotógrafo) uma felicidade que só encontrará nos braços da mesma Marie-Ange, que conhece em Paris, no metrô. A ambígua Marie-Ange. Dois irmãos gêmeos que se apaixonam pela mesma mulher. E que, rios reversos, definitivamente se desencontram — um vem, a outra vai. Um opta pela retirada e, no fim, encontra o retorno à vida familiar. A outra escapa da escura existência perto da mãe para encontrar o sol e viver um enigma. O enigma Marie-Ange. Tatiana Salem Levy escreveu um romance exato, diria impecável, acerca dos elos que, partidos, resultam perdidos.

Rinaldo de Fernandes

É escritor e professor de literatura da Universidade Federal da Paraíba. Autor de O perfume de Roberta, entre outros.

Rascunho