O narrador de Animais em extinção, de Marcelo Mirisola — narrador que se autodenomina MM, autor de O filho devolvido e O azul do filho morto, obras sabidamente de Marcelo Mirisola —, desfia suas lembranças a partir de um flat em João Pessoa. A Paraíba que aparece no romance é aquela da pobreza, do turismo sexual, de famílias conservadoras, enfim, pouco imaginativa, clicherizada ao extremo. Nada se salva da paisagem da cidade de João Pessoa — tudo é objeto do preconceito do narrador. Embora isto seja orgânico no livro, pois o narrador, de algum modo, está sendo coerente consigo mesmo, sempre fica a dúvida se Marcelo Mirisola, na capa de MM, também não poderia pensar dessa forma, uma vez que este último não consegue em vários momentos — algo importante na economia narrativa do livro — se distanciar o necessário para ter uma autossuficiência ficcional, para ser considerado uma personagem entre outras. Se se confirmasse que o MM é mesmo Marcelo Mirisola, se se confirmasse que este pensa com essa carga de preconceito, bom, seria, claro, uma opção do artista, mas também seria algo no mínimo impróprio — pois se espera sempre do escritor um olhar diferenciado sobre os clichês ideológicos. Se a literatura tem alguma função, talvez esta seja a mais importante — a de fazer pensar fora dos mitos construídos no cotidiano pelas forças ou instituições do poder. Mas não quero crer que o MM, autor dos livros de Marcelo Mirisola, seja Marcelo Mirisola. Prefiro ainda ver em Mirisola um autor demolidor ou desestabilizador de ideologias, um competente nome de nossa ficção atual.