Anotações sobre romances (22)

Também é instigante este apontamento sobre o “não”, que consta da terceira parte, nas Notas sobre "Matteo perdeu o emprego", ou Posfácio, do livro de Gonçalo M. Tavares
Gonçalo M. Tavares, autor de “Matteo perdeu o emprego”
01/06/2015

Também é instigante este apontamento sobre o “não”, que consta da terceira parte, nas Notas sobre Matteo perdeu o emprego, ou Posfácio, do livro de Gonçalo M. Tavares: “Não é o vocábulo mais assertivo no mundo da linguagem. Bem mais do que o sim; o sim abre uma continuidade, sim e avanço, sim e algo mais. O sim começa, o não termina. O não encerra. Não há vocábulo mais assertivo; é em linguagem a palavra mais mortal. Queres? Não. Vens? Não. Podes? Não. Fizeste? Não. Vais fazer? Não. // Pois o que vemos na história de Kashine é precisamente esta exatidão que explode, que provoca múltiplos efeitos, um não que perturba, que põe em causa, um não que não domina os seus efeitos”. E ainda este outro registro comparando o “sim” e o “não”: “…o sim tem estas características: faz com que uma planta, em princípio, se junte a outras — e é o não que vai diferenciando, separando, enviando uns elementos para um lado, outros elementos para outro. Mas para sermos justos: o não e o sim trabalham em conjunto para pôr em ordem a confusão de que se partiu. O mundo é sempre uma confusão e uma taxinomia que o tenta organizar é uma gestão de tráfego onde sim e não são as direções; e apenas com dezenas de sim e dezenas de não se organiza o caos, até ao ponto em que cada elemento está separado de todos os outros; do mundo vasto e barulhento e brutal e confuso se chega, pelo caminho do não e do sim, à unidade mínima. Eis, pois, a história da racionalidade”. Por fim, esta observação sobre o “labirinto”: “No fundo, o labirinto também é isto: uma infinidade de sem saídas. Não se vai a lado nenhum por muitos lados, ou: há muitos caminhos para não se ir a lado nenhum: eis o labirinto. E, como se existisse apenas uma verdade e uma solução no mundo, o labirinto funda essa coisa estranha que é a crença num único caminho; um processo violento: todos os caminhos estão barrados exceto um”. Matteo perdeu o emprego é, de fato, um livro singular. Mescla conto, novela e ensaio filosófico. E é mesmo um romance? Para além do debate acerca de seu gênero, é uma inteligentíssima obra de ficção.

Rinaldo de Fernandes

É escritor e professor de literatura da Universidade Federal da Paraíba. Autor de O perfume de Roberta, entre outros.

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