Em termos de conteúdo, o que caracteriza a primeira e a segunda partes de Matteo perdeu o emprego, de Gonçalo M. Tavares, é o fato de todos os relatos trazerem uma situação absurda. Assim, por exemplo, no relato Ashley e a encomenda um indivíduo vai entregar um embrulho numa rua extensa cujos prédios, todos, têm o número 217. O relato Baumann e o lixo é a história de um indivíduo que “lava” o lixo, que faz a assepsia de peças recolhidas na lixeira para reintroduzi-las na civilização, para reintegrá-las na sociedade como objetos de valor. Diamond e o ensino, numa linha parecida, narra a história de uma escola tomada pelo lixo, que sobe os andares, vai enchendo as salas — “[o professor] Diamond tinha a ideia fixa de que o lixo queria regressar a esse mundo através de uma das suas marcas mais fortes: a alfabetização” —, sendo que, no fim, “resistem” ao acúmulo de sujeira e ao ar infecto um professor e seus vinte e dois alunos. Sobre estes, assinala, com ironia, o narrador: “…eram os vinte e dois homens que evita[ram] que o mundo sucumbisse”. Em Glasser e a bateria conta-se a história de um homem com um coração artificial que funciona através de uma bateria de caminhão (esta é ligada ao peito do homem por um fio). Glasser, para onde vai, precisa carregar a bateria, que é pesada, com mais de vinte quilos. O relato focaliza o momento em que Glasser vai para um bordel ter um encontro com uma prostituta e, na hora de subir as escadas, e ainda de consumar o ato, precisa do auxílio do gerente do bordel e da própria prostitua para poder conduzir a bateria. “Kashine e o NÃO”, por sua vez, trata de um adolescente de dezesseis anos que vivia a “espalhar não por onde passa[va]”, que escrevia a palavra “não” em tudo. E por aí vai.