Anotações sobre romances (15)

Lawanda, protagonista do romance Meu coração de pedra-pomes (2013), da paulistana Juliana Frank, é alegre e acre, afeita (ao seu modo) e alarmada com o cotidiano devastador
Juliana Frank, autora de “Meu coração de pedra-pomes”
01/11/2014

Lawanda, protagonista do romance Meu coração de pedra-pomes (2013), da paulistana Juliana Frank, é alegre e acre, afeita (ao seu modo) e alarmada com o cotidiano devastador. É com os tons da tragicomédia que se tece o eixo central da trama do romance. Lawanda é faxineira num hospital. Tem o aluguel do quarto onde mora pago por uma tia. Ingere remédios rotineiramente (“…as pílulas filhas da puta com seus hiperpoderes que preciso tomar antes de dormir”). É amante de um homem casado. E cria besouros com os quais — suspeita — amortece a sua solidão. A vida desbotada da protagonista a sufoca ao extremo — aliás, o romance de Juliana Frank é um exemplo forte da existência paupérrima, tediosa, sem horizontes, do nosso trabalhador urbano, emparedado na grande metrópole. É um romance, antes de tudo, sobre a natureza do trabalho desumanizado, reificado, com pouca ou nenhuma criatividade. E é daí — como se querendo desafogar a si e ao próprio leitor, que também fica em permanente desconforto — que decorre a voz áspera de Lawanda: “Eu poderia estar morta como o velho, e não vivendo essa enfadonhice de cama de meteorito, família disfuncional, cortiço bem-arrumado, hospital, hospital, esfregão, corredor, esfregão, trabalhos escusos, horas infelizes, televisões altas demais, homem casado com uma lacraia na cama, macumba inútil, mortes sem espelhos: breve resumo da merda que, em dias melhores, chamo de vida”.

Rinaldo de Fernandes

É escritor e professor de literatura da Universidade Federal da Paraíba. Autor de O perfume de Roberta, entre outros.

Rascunho