Em entrevista ao jornal Cândido, João Gilberto Noll tece comentário acerca do protagonista do seu romance Solidão continental: “[…] ele tem muita tendência à vagabundagem. Porque é um contemplativo, por isso que ele sofre, porque realmente não está dando resposta à […] produção que a sociedade exige, está sempre desfalcado, sempre aquém da exigência de produtividade da sociedade”. Isto parece correto. Talvez em Solidão continental, narrado em primeira pessoa, seja um tanto redundante a necessidade de o protagonista definir-se como um solitário (ele é um bissexual já envelhecido, de libido sempre acesa — aliás, os impulsos sexuais dele são algo muito central na economia da narrativa —, que ministra aulas de português para estrangeiros e que vem de Chicago para Porto Alegre). Essa redundância, em certos momentos, parece enfraquecer um pouco a narrativa, porque as situações vividas pelo personagem, por si, já são reveladoras de sua grande solidão. Como exemplo de redundância do campo de sentido da solidão na fala do personagem-narrador, retiro três passagens do romance (os grifos são meus): “Que eu voltasse à minha solidão sem me abater. Nela tinha as minhas referências todas ordenadas, eu a abastecia com algumas obsessões […]”; “Olhei para a exuberância do azul do céu e senti que precisava falar com alguém, alguém que pudesse me confirmar, sim, que eu era um homem da mesma espécie do interlocutor […]”; “Divisei um vulto olhando para a terra. Aproximei-me, eu precisava ouvir alguém me perguntar e eu responder, falar”. Mas isso não tira o brilho da narrativa de Noll. Não tira a força desse personagem de identidade triturada, profundamente desencontrado.