No Brasil hoje há bons escritores, prosadores e poetas, sendo que, até onde tenho acompanhado, o conto é o gênero de destaque. Não apareceu ainda o grande romancista ou o grande poeta, aquele autor que de alguma forma desestabiliza, que traz algo de impacto, com cara de novo. Parece-me que os dois últimos grandes romances de nossa literatura foram Zero, de Ignácio de Loyola Brandão, e A festa, de Ivan Ângelo, ambos da década de 70. Não quero dizer com isso que não tenham surgido outros romances de valor. É no sentido mesmo dessa desestabilização formal de que falei. Mas cito (por ora) alguns bons romancistas mais recentes: Miguel Sanches Neto, André Sant’Anna, Milton Hatoum, Luiz Ruffato, Paulo Lins, Patricia Melo, Chico Buarque e Nelson de Oliveira (formalmente, Chico Buarque e Ruffato talvez sejam, do conjunto, os mais inquietos). Com a poesia acontece algo parecido. Os poetas mais velhos ainda dominam a cena. Caso especialmente de Ferreira Gullar, Manoel de Barros e Adélia Prado (Augusto de Campos parece um pouco recolhido, mas com vários epígonos, especialmente entre os propagadores da chamada “poesia de invenção”; Bruno Tolentino, falecido recentemente, segue tendo seus defensores; Mário Chamie tem se voltado mais — e com alguns textos preciosos — para o ensaio e, mesmo, para a narrativa curta). Os contistas, por sua vez, estão num momento muito instigante. Alguns autores que despontaram antes, durante ou um pouco depois dos 70, prosseguem publicando obras de muita qualidade, como é o caso de Rubem Fonseca, Dalton Trevisan, Lygia Fagundes Telles, Luiz Vilela, Sérgio Sant’Anna e João Gilberto Noll. Nota-se no presente uma variedade de formas do conto, que vai do minimalismo ao realismo brutal, passando pela vertente intimista (ainda nos passos de Clarice Lispector), pela narrativa fragmentária ou mesmo experimental. O conto tem narrado situações típicas do homem contemporâneo — como, por exemplo, a violência ou mesmo a penúria, a miséria brasileira — de forma aguda, veemente. Isto pode ser comprovado nas antologias ultimamente organizadas por Nelson de Oliveira (preocupado em mapear a melhor produção dos 90), por Luiz Ruffato (atento à ficção das mulheres) e por este que vos fala. Os contistas têm até mesmo mergulhado, e de forma às vezes bastante original, na corrente metaficcional, recriando autores consagrados de nossa literatura. É mesmo um desempenho formidável do gênero, me parece. No que se refere aos escritores nordestinos: o Ciclo do Romance de 30 foi um acontecimento extraordinário de nossa literatura, revelando autores como Raquel de Queiroz, Graciliano Ramos, José Lins do Rego e Jorge Amado. Eles renovaram o romance brasileiro, projetando o Modernismo para a problemática social. Creio que, atualmente, autores nordestinos como Antônio Torres, Francisco Dantas ou mesmo Aldo Lopes de Araújo conseguem manter um diálogo rico, não raro original, com essa tradição do nosso romance regionalista. Há autores com outros traços, a exemplo de José Nêumanne Pinto, com o romance O silêncio do delator, que retrata, de forma paródica, alguns ícones da cultura urbana e de massa da segunda metade do século 20. Outro exemplo, ainda inserido na tradição regionalista mas com soluções diferentes, é a narrativa dialógica, intertextual, de Aleilton Fonseca, que resgata o universo e a oralidade de Guimarães Rosa (refiro-me ao romance Nhô-Guimarães). Por outro lado, no Nordeste hoje há metrópoles, com os mesmos problemas de todas as metrópoles, e uma literatura nova, urbana, está surgindo forte (a paisagem sertaneja ainda aparece em certas obras, mas não raro de forma residual), tendo como bons exemplos as narrativas curtas de Tércia Montenegro, Ronaldo Correia de Brito, Antonio Carlos Viana, Marcelino Freire, Carlos Ribeiro, Marilia Arnaud, Renata Belmonte, Ruy Espinheira Filho, Raimundo Carrero, Luzilá Gonçalves, Suênio Campos de Lucena, Alex Leila, Carlos Emílio Corrêa Lima, Jorge Pieiro, Lima Trindade, Carlos Gildemar Pontes, Nilto Maciel, Pedro Salgueiro, Geraldo Maciel, entre alguns outros. Ainda autores importantes, nessa direção, são W. J. Solha e Maria Valéria Rezende, que, sendo de outras regiões, há muito tempo vivem no Nordeste. Essa nova literatura urbana nordestina, por tratar de problemas parecidos com os dos grandes centros, não tem muita diferença da literatura produzida no Sudeste/Sul. Claro: há outros autores, não citados, que estão fazendo literatura de muita qualidade em outros pontos do país. A tentativa aqui foi apenas de uma amostragem.