A teoria do conto de Cortázar

Julio Cortázar admitia que escrever contos e poemas é algo parecido, quase um estado de transe
Julio Cortázar, autor de “Todos os contos”
01/07/2008

Julio Cortázar admitia que escrever contos e poemas é algo parecido, quase um estado de transe. Dizia o autor argentino: “…se o ato poético me parece uma espécie de magia de segundo grau, tentativa de posse ontológica e não já física como na magia propriamente dita, o conto não tem intenções essenciais. A gênese do conto e do poema é […] a mesma, nasce de um repentino estranhamento, de um deslocar-se que altera o regime ‘normal’ da consciência”. Cortázar, num passo feliz, chega a formular: o conto é uma “síntese implacável de uma certa condição humana” ou mesmo um “símbolo candente de uma ordem social ou histórica”. Cortázar discute ainda três aspectos importantes acerca do conto. Para o autor de Bestiário, as narrativas curtas necessitam ter: 1) significação — o conto, como a fotografia, “recorta um fragmento da realidade”, devendo, portanto, ser “significativo”, ou seja, ser capaz de uma “abertura” que projete a inteligência e a sensibilidade do leitor para além da história narrada. No cinema e no romance, a captação da realidade “mais ampla e multiforme é alcançada mediante o desenvolvimento de elementos parciais, acumulativos”; 2) tensão e intensidade — o conto “parte da noção de limite e, em primeiro lugar, de limite físico, de tal modo que, na França, quando um conto ultrapassa as vinte páginas, toma já o nome de nouvelle”. O conto, assim, deve conter, compactar as situações, uma vez que os desenvolvimentos narrativos cabem mais à novela e, como foi dito, ao romance. Deve ser uma “máquina de gerar interesse”, ou seja, ter a capacidade de prender a atenção do leitor; 3) capacidade de desprender-se do autor — o conto deve ser alheio ao escritor enquanto “demiurgo”. O leitor do conto deve ter a sensação de que “de certo modo está lendo algo que nasceu por si mesmo, em si mesmo e até de si mesmo, em todo caso com a mediação mas jamais com a presença manifesta do demiurgo”. A narrativa deve se desprender do autor “como uma bolha de sabão do pito de gesso”. A teoria do conto de Cortázar parece fixar mesmo as coordenadas principais do gênero — pelo menos como o conhecemos desde o século 19.

Rinaldo de Fernandes

É escritor e professor de literatura da Universidade Federal da Paraíba. Autor de O perfume de Roberta, entre outros.

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