A poesia plurifacetada de José Nêumanne Pinto (2)

A “poesia do mais”, em que se comprime o lírico e se distende o narrativo, nos versos de “Antes de atravessar”
José Nêumanne Pinto, autor de “Antes de atravessar”
01/08/2023

Continuando a abordagem do livro Antes de atravessar, de José Nêumanne Pinto. A vida e o martírio de uma árvore é do que trata o antológico poema Madeiro, que reúne um campo de sentido ambientalista e um que remete ao sofrimento do Cristo na cruz. A imagem/personificação da árvore de galhos/braços abertos é dramática, como é dramático o teor de suas reivindicações. Trata-se de um poema que, por sua força e plasticidade, deveria virar um emblema da causa ambientalista. Aboio do semiárido, por sua vez, é o relato de uma outra agonia, de uma outra solidão — a do sertanejo. Poema rítmico, que recorre à cadência do cordel, articulando à mensagem uma forma bastante eficaz. Há, por outro lado, vários poemas no livro que comprimem o lírico e distendem o narrativo — e o resultado é a quase crônica, o quase conto ou mesmo o quase relato autobiográfico. Em tais poemas constata-se aquilo a que Antonio Carlos Secchin, no texto de orelha, chamou muito apropriadamente de “poesia do mais”: “Se, quando estudei João Cabral, disse que a sua obra se traduzia numa ‘poesia do menos’, agora, com José Nêumanne Pinto, deparamo-nos com uma ‘poesia do mais’”. Exemplos dessa “poesia do mais”: Manual de pintura, cartografia e anatomia, Magister dixit, Minha tia, nossa genealogia, Ecce homo e Fundação do pai. Os poemas com forte teor dramático, além dos citados Madeiro e Aboio do semiárido, são Será uma vez, Os dez mandamentos da barbárie e a (também já citada) prosa poética Fundação do pai. E assim se faz esse livro plurifacetado que é Antes de atravessar. Um livro que coloca de vez José Nêumanne Pinto entre os poetas de destaque da literatura brasileira contemporânea.

Rinaldo de Fernandes

É escritor e professor de literatura da Universidade Federal da Paraíba. Autor de O perfume de Roberta, entre outros.

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