A poesia plurifacetada de José Nêumanne Pinto (1)

A liberdade de formas faz da coletânea “Antes de atravessar” um criativo exercício poético
José Nêumanne Pinto, jornalista, poeta e escritor brasileiro
01/07/2023

No livro Antes de atravessar, José Nêumanne Pinto adota um roteiro poético que condiz plenamente com o conhecido princípio do “direito permanente à pesquisa estética” propugnado por Mário de Andrade. Uma das vias do princípio é a mescla ou mesmo a ruptura de gêneros, é a construção literária que tangencia livremente formas do lírico, do épico ou do dramático. Há no livro de Nêumanne poemas mais assiduamente líricos, há narrativas em versos e há drama lírico. Essa liberdade de formas faz de seu livro um exercício poético muito criativo. E é, creio, o ponto mais alto do livro, embora haja outros aspectos importantes, como o da intertextualidade operada através de epígrafes bíblicas (especialmente estas), literárias e musicais. As inúmeras citações e as referências à alta cultura dão a uma série de poemas uma feição erudita — mas o elemento culto da poesia de Nêumanne pode, para os desavisados, até parecer uma encenação pedante, porém, antes e efetivamente, faz dele um poeta “solidário”, como bem diz Alexei Bueno no prefácio: “José Nêumanne é um poeta notavelmente culto, e a cultura [é] a mais perfeita forma de solidariedade humana, pois nos une quase carnalmente à espécie humana inteira, em tudo o que ela fez ou conseguiu ser de grande”. Isto porque, além do tema dominante do livro ser a musa-esposa Isabel (os poemas para Isabel estão entre os mais plásticos do livro, no mais das vezes com tonalidade erótica), há ainda toda uma temática voltada para o universo sertanejo (Nêumanne é de Uiraúna, sertão da Paraíba) e referências reiteradas a outras geografias: São Paulo, Paris, Madri, etc. Mas eu falava das formas mais livres, abertas, adotada pelo poeta no livro. Poemas marcadamente líricos são Juventude a três, Madeiro (este é extraordinário) e Aboio do semiárido. O cinematográfico e epifânico Juventude a três, flagrando um amanhecer em família, é expansão vital, um louvor ao rejuvenescer, reunindo a figura do poeta aos 68 anos, a musa-esposa Isabel e o filho Artur ainda bebê.

Rinaldo de Fernandes

É escritor e professor de literatura da Universidade Federal da Paraíba. Autor de O perfume de Roberta, entre outros.

Rascunho