A pergunta de Astier

A crítica literária é um problema de gênero discursivo. Eu, por exemplo, não sou um crítico — sou um resenhista
Astier Basílio, poeta e jornalista
01/06/2006

A crítica literária é um problema de gênero discursivo. Eu, por exemplo, não sou um crítico — sou um resenhista (e, como tal, faço apreciação de obras, emito juízos de valor, isso não significando dizer que já esteja fazendo a verdadeira crítica). Considero-me um crítico, efetivamente, quando escrevo um ensaio (e depende do ensaio!). Quando produzo uma resenha, estou dando uma certa contribuição crítica (a depender também da resenha!). É que o caminho do ensaísta (e, portanto, do verdadeiro crítico), diferente daquele do resenhista, é bem mais penoso, áspero — de enfrentamento rigoroso, no tempo, do texto alheio. Enfrentamento que requer relações com outros textos, da série literária ou não; relações que o resenhista certamente não terá tempo de promover (pode acontecer de uma resenha ter força ensaística — mas é algo raro, realmente). Talvez por parecer “um crítico” aqui neste espaço é que recebo às vezes algumas incumbências delicadas. A pergunta sobre quem é o melhor escritor brasileiro da atualidade, que me foi feita numa enquete pelo jornalista e poeta Astier Basílio, é, sem dúvida alguma, muito difícil de ser respondida. Aliás, em literatura, é sempre muito complicado dizer quem é “o melhor”. Digo isso como alguém que já participou de um projeto editorial polêmico, que gerou alegria para muitos (os escolhidos), mas também incompreensão de alguns não incluídos entre os “melhores”. (Refiro-me à antologia Os cem melhores poetas brasileiros do século, organizada pelo escritor e jornalista José Nêumanne Pinto, da qual fiz todos os textos de pesquisa. A antologia ainda agora sai bem; foi, na sua proposta simples, reconhecida como um bom trabalho por antologistas e acadêmicos de referência — e talvez por isso também tenha gerado indisposição entre alguns autores, algo, aliás, absolutamente normal.) Se me pedem para optar entre Graciliano Ramos e Guimarães Rosa, eu escolho exatamente… os dois. Juro que não sei dizer quem é o melhor deles. Gosto sempre da atitude crítica que torna complexas as coisas da literatura — e jamais daquela que, rasa, as reduz, apressando-se em apreciações e escolhas por absoluta falta de rigor (a pior das críticas, certamente, pois uma questão fundamental de toda crítica é a do tempo para julgar — daí, repito, o ensaio, que requer bem mais tempo do que uma resenha, se mostrar o formato mais apropriado para a verdadeira crítica). Infelizmente, incorre-se em muita crítica redutora (reafirmo: o fenômeno da crítica rasa, embora não sendo exclusivo, parece ser mesmo mais próprio das resenhas). No momento, temos excelentes escritores no Brasil, alguns ainda emergentes, e cito um time deles: Ferreira Gullar, Moacyr Scliar, Raduan Nassar, Mário Chamie, Lygia Fagundes Telles, Augusto de Campos, Miguel Sanches Neto, André Sant’Anna, Nelson de Oliveira, Ronaldo Correia de Brito, Manuel de Barros… Fica muito difícil a escolha. Como resenhista, e não como crítico, quero destacar (não significando dizer que são “os melhores”) dois autores que têm me chamado muito a atenção: o paranaense Miguel Sanches Neto e o mineiro (filho do ilustre ficcionista carioca Sérgio Sant’Anna) André Sant’Anna. Mas como a pergunta do prezado Astier foi direta, querendo saber quem é mesmo “o melhor”, eu respondo agora: o melhor autor brasileiro da atualidade é… Machado de Assis.

Rinaldo de Fernandes

É escritor e professor de literatura da Universidade Federal da Paraíba. Autor de O perfume de Roberta, entre outros.

Rascunho