A ociosidade na literatura

O principal achado de "Maravalha", de Cláudio B. Carlos, é fazer de um microambiente o território de comportamentos, dramas e vícios de toda uma cidade
Cláudio B. Carlos, autor de “Maravalha”
01/08/2021

Maravalha — uma novela grunge gaudéria (Coralina, 2020), do gaúcho Cláudio B. Carlos, é composta de capítulos curtos, cortes rápidos, com aproveitamento intertextual, aqui e ali, de letras de música e, mesmo, da linguagem da TV e a do rádio. A narrativa se passa num bar de uma pequena cidade do Rio Grande do Sul. Bar onde se encontram o narrador-personagem, tomando todas, fumando muito, e os tipos conhecidos da cidade — entre eles, o prefeito (e seus puxa-sacos) e o delegado (que entra reiteradas vezes no recinto para um trago, sumindo em seguida na cerração). O narrador-personagem recebe a companhia do assustado (e dissimulado, saberemos ao final) Romualdo, que lhe fará companhia até às 3h07 da madrugada (a cronologia da história é precisa, sempre assinalada — o que determina o suspense da narrativa). E é na companhia de Romualdo, numa mesa do bar, que o narrador se desvela e vai registrando os fatos, os movimentos de todos os personagens. Pela ótica do narrador, não só é registrada a (suposta) angústia de Romualdo, que diz ter acabado de atropelar e matar o Maravalha, um tipo beberrão que gira de moto pela cidade, mas todo um ambiente social. E nisso reside o principal achado de Cláudio B. Carlos — fazer de um microambiente o território de comportamentos, dramas e vícios de toda uma cidade. Ninguém escapa ao olhar irônico, mordaz, do narrador — que ao mesmo tempo que historia com raro poder de observação as condutas dos tipos de uma cidade interiorana, desconstrói um universo pautado em relações rasas, superficiais, e muita hipocrisia. O narrador, assim, e tomando como matéria a ociosidade dele e a dos demais, extrai de sua bebedeira a própria lucidez acerca dos vínculos humanos. E no canto da boca do leitor, em vários momentos da novela, esboça-se o riso pela contundência do registro, pela causticidade do escritor.

Rinaldo de Fernandes

É escritor e professor de literatura da Universidade Federal da Paraíba. Autor de O perfume de Roberta, entre outros.

Rascunho