17.07.1987
Octavio Paz publicou meu ensaio sobre Ezra Pound na revista Vuelta. Ele também tem restrições ao poeta americano. Faço uma leitura objetiva de Os cantos. Pound leu erroneamente a questão do ideograma chinês, valorizou o visual, esqueceu o fonético. Seu editor reconhece que há mais de 500 incorreções no texto. “A diabólica máquina de escrever”, expressão de Pound, teve muito a ver com os desacertos formais e gramaticais. Segundo esse editor, que conviveu com o poeta por mais de 4o anos, Pound era impaciente e não conseguia escrever na velocidade de seu pensamento, saltava espaços na página, “resultando em espacejamentos erráticos, uma dança das margens, cortes e marcas usados como pontuação, abreviações constantes e letras maiúsculas repetidas como ênfase. Ele agredia a máquina. Tinha que ter duas porque uma estava geralmente no conserto”. Pound reconhecia que Os cantos eram uma tentativa fracassada.
Nota em 2012: Ver o livro Que fazer de Ezra Pound (Imago, 2003).
22.09.1987
Releio Clarice: A paixão segundo G. H. É genial demais. Alguns capítulos — como a visão das cenas milenares (da janela) — são demais. É a escritora mais genial que tivemos. Só igual: Guimarães Rosa. Mais louca, contudo.
Me enche de alegria. É como ouvir a melhor música. Soa, toca, tange, emociona pra caralho! É toda poesia. Como essa outra ficção referencial que anda por aí é tímida, é um nada ao lado dela. É gênio mesmo, minha amiguinha, tão desvalida. Se estivesse ainda viva, telefonava-lhe agora. Mandava-lhe flores. Escrever é isto. O resto é literatura.
Depois disto, o que fazer?
21.10.1987
Fazendo ensaio sobre Clarice para a edição francesa de G. H., a sair pela Coleção Archives da Unesco. O tópico da “epifania” é fundamental para entendê-la. Idem a questão do ritual e/ou do rito de iniciação. Que sofrimento delicioso é este em que me meti! Entrar na pele do outro. No caso, descobrir uma solução formal para este ensaio: como escrever um ensaio que comece por retomar o próprio discurso dela num simulacro crítico? Encontro a chave no conto sobre “a barata”, mas que tem vários títulos, possibilidades. Assim a crítica ensaística retoma a aventura de Sherazade. Lembro-me de meus mergulhos em Drummond e outros. O crítico-analista vive em metamorfose, vive muitas vidas/autores. Como um romancista, um ator dramático. Um poeta?
15.07.1988
“Nobre simplicidade e serena majestade” — isto procuro, virtudes que Winckelmann e Gluck viam na Antigüidade.
06.10.1988
Décio de Almeida Prado convidado para vir dar um curso sobre o teatro romântico na PUC-RJ. Primeiro, trouxe o Antonio Candido, também o Sábato Magaldi. É preciso irrigar o diálogo interuniversitário, evitar a incestuosidade teórica. Décio é uma pessoa segura. Um mestre. Apresentando-o aos alunos, disse-lhes: “O Antonio Candido é o Décio de Almeida Prado na literatura”.
Aqui, jantando com Walmor Chagas, Yan Michalski e Bárbara Heliodora, contou coisas. Aliás, no dia anterior também, quando jantávamos a sós com ele: que Oswald de Andrade e Tarsila “consentiram” que Pagu, amante-menina de Oswald de Andrade, se casasse com outro. Arranjaram o casamento. Mas depois da cerimônia, Oswald pegou o carro, foi a Santos e seqüestrou-a, acabando assim o casamento com Tarsila.
Boa estória que Bárbara Heliodora contou do Décio. Os dois em Caracas (Venezuela) num encontro de teatro, recebidos por uma “bichinha chamada Romeu”. “É a primeira vez que vejo Romeu e Julieta numa pessoa só”, disse Décio.