Agora podemos constatar que a prosa literária brasileira teve, pelo menos, dois caminhos a seguir desde o começo do século 20: a) a força, a denúncia, a coragem de Lima Barreto; b) a elegância, o belo, o saudável de Machado de Assis. Preferiu Machado, até pela influência europeia, branca e conservadora, muito presente em todo o mundo naquele momento histórico. Mesmo assim, esqueceu as lições de um Vitor Hugo ou Emile Zola, filiando-se à linhagem sofisticada de Stendhal, Flaubert e Maupassant. Além de um afastamento de Dostoievski, com uma filiação muito forte à corrente de Tolstói. Em ambos se observa a bifurcação, a literatura em Dostoievski ao belo, enquanto Tolstói visa ao bem, com edificação espiritual.
Mas o que significa o belo e o bem? Na estética clássica, Aristóteles defende que a arte deve reunir elementos harmônicos capazes de impressionar pelo equilíbrio; um desses exemplos contemporâneos seria o romance Madame Bovary, de Flaubert, visto como o modelo mais perfeito do acabamento literário. Enquanto isso, Tolstói sugere uma estética do bem, segundo a qual a arte e, sobretudo, a literatura têm uma missão sagrada, uma missão religiosa que salva o homem para Deus. No Brasil, Machado de Assis seguiu o modelo clássico em Dom Casmurro, embora reforçando a mesma temática. Devido a Bovary, Flaubert respondeu a um processo sob a acusação de imoralidade. Alegava-se que o francês tratara do tema adultério com cenas imorais. Já Machado evitou a intimidade dos personagens, recorrendo a um intenso delírio metafórico.
Machado, assim, segue a estética de Flaubert, mas se ausentando de cenas íntimas, até porque a acusação é subjetiva, baseada, por assim dizer, apenas no ciúme. Atualmente, a estética machadiana é considerada conservadora enquanto a estética da obra de Lima Barreto tem uma visão revolucionária.
No princípio do artigo destaquei, de propósito, os caminhos de Machado e de Lima, que investiu na estética da rebelião, ressaltada por Lilia Schwarcz na biografia Triste visionário:
Lima Barreto escolheu a dedo o romance com que ingressaria na vida literária nacional. Ao que tudo indica e como mostra Francisco de Assis Barbosa, tinha alguns outros livros em preparação ou quase terminados, mas decidiu lançar Recordações do escrivão Isaias Caminha com claro objetivo de escandalizar. Julgava que Gonzaga de Sá era morno; quem sabe, acomodado demais; Já Isaías Caminha tinha potencial para a polêmica, e daria novo impulso à carreira que ele havia trilhado no Floral e ia desenvolvendo nas demais revistas literárias.
Como se observa, não se escreve apenas por escrever, para fazer bonito perante a sociedade, é preciso ter um projeto de obra, mesmo que seja para provocar esta mesma sociedade, mesmo que ela não concorde. E nem precisa concordar. Pelo contrário, o escritor abre os olhos sociais e avança.
Tudo isso nos leva a refletir sobre os caminhos da literatura brasileira, mesmo que Jorge Amado e Graciliano Ramos tenham sido rebeldes à sua maneira, confundidos com regionalistas. Sobretudo Graciliano, em virtude de sua imensa preocupação com questão da linguagem muito gramatical.