Entre universos

Entrevista com Lorena Calabria
A jornalista Lorena Calabria
01/12/2009

Lorena Calabria nasceu no Rio de Janeiro (RJ), em 1965. Formada em Comunicação Social na UERJ, iniciou sua carreira na tevê em 1985, como roteirista do programa Som Maior, na TV Manchete. Como apresentadora, estreou na TV Globo, em 1986, no programa Clip Clip. Desde então, já trabalhou em diversas outras emissoras brasileiras: MTV, SBT, Cultura, Multishow, Record, GNT e Band. Na imprensa escrita, foi editora-assistente da revista Bizz e colaboradora da Revista da Folha e da TPM. Atualmente, comanda um programa de entrevistas na Rádio Mitsubishi FM, em São Paulo.

• Na infância, qual foi o seu primeiro contato marcante com a palavra escrita?
Como a grande maioria, foi com os livros de Monteiro Lobato e todas aquelas aventuras no Sítio do Picapau Amarelo. Acho que os gibis também tiveram a sua importância. É a forma mais fácil de leitura e, quando se é criança, dá um orgulho danado ler ao menos uma palavrinha.

• De que forma a literatura surgiu na sua vida?
Com os livros que li na escola, com certeza. A iniciação se deu com Monteiro Lobato e não parou mais. Teve a fase dos contos, também. Mais tarde, Machado de Assis foi outra descoberta marcante. Lembro ainda de uma série chamada Para gostar de ler (da editora Ática), que eu colecionava. Em casa, não herdei nenhuma biblioteca da minha família e, na primeira vez em que vi uma, fiquei fascinada. Foi na casa de campo de um amigo do meu pai. Eu devia ter uns 12, 13 anos. Estávamos na casa de hóspedes. Esperei todo mundo dormir, peguei uma lanterna e fui para a sala onde ficava a tal biblioteca. Nem sei quanto tempo fiquei lá, mas nunca esqueci aquela noite. Na minha cabeça inocente, era como ter uma livraria em casa. Acho que vem daí a minha fascinação por livros bem organizados, sempre à disposição do leitor.

• Que espaço a literatura ocupa no seu dia-a-dia e no seu método de trabalho?
Procuro separar algumas horas para a leitura. No momento, é a noite a parte a mais tranqüila, depois que as crianças dormem. Nos finais de semana, gosto particularmente das primeiras horas da manhã, depois de ler os jornais. No meu trabalho, a leitura varia entre material de pesquisa e livros propriamente ditos, no caso de alguma entrevista.

• Você possui uma rotina de leituras? Como escolhe os livros que lê?
Já tive várias rotinas. Por exemplo, para cada dois clássicos, lia um contemporâneo. Quando gostava de um autor, procurava pela sua biografia. Já tive fases de ler, na seqüência, pelo menos dois livros de um mesmo autor. Ou de ler dois livros ao mesmo tempo, mas com estilos totalmente diferentes. Um hábito que mantenho até hoje é, ao saber que vou fazer uma viagem, o de ler um livro que tenha a ver com o lugar para onde vou. Começo um pouquinho antes e vou lendo no caminho. Foi assim na Grécia, por exemplo. Meu companheiro de viagem foi O colosso de Marússia, de Henry Miller. Escolho os livros por acaso ou pelo meu estado de espírito. Às vezes, olho para a estante e bato o olho em um autor que ainda não li e pronto. Na cabeceira, sempre fica uma pilha, cada um esperando sua vez. E para minha surpresa, algumas vezes, aquela organização aleatória faz sentido.

• Você percebe na literatura uma função definida ou mesmo prática?
Nunca refleti sobre isso. Talvez seja me transportar para outro universo, real ou imaginário. Tenho várias maneiras de me envolver com um livro. Uma delas, a mais comum, é mergulhar nele tão profundamente que as emoções narradas passam a ser vivenciadas. Outra maneira, quando já “conheço” o escritor, é imaginar o quanto ele criou, presenciou ou mesmo viveu daquilo que escreveu. Ou, ainda, reler trechos prestando atenção apenas na narrativa, na escolha das palavras, no estilo literário. De qualquer forma, é sempre um prazer.

• Como você reconhece a boa literatura?
Para mim, é aquela que se encaixa nas três maneiras de se ler um livro, descritas acima. Gosto de ler os clássicos e acho que me arrisco pouco nos escritores contemporâneos. Mas a boa literatura pode estar em toda parte, até numa crônica de jornal.

• Que tipo de literatura lhe parece absolutamente imprestável?
No meu caso, livros de auto-ajuda. Se conselho fosse bom… Mas só o fato de levar alguém até uma livraria, e fazer essa pessoa passar horas lendo algo que lhe pareça interessante e proveitoso, já acho válido.

• Quais são os seus livros e autores favoritos?
Vou citando conforme vou me lembrando: Os sofrimentos do jovem Werther, de Goethe, On the road, de Jack Kerouac, Pergunte ao pó, de John Fante, O grande Gatsby e Suave é a noite, de Scott Fitzgerald, As armas secretas, de Julio Cortázar, Cem anos de solidão e Crônica de uma morte anunciada, de Gabriel García Márquez, O estrangeiro, de Albert Camus, O Templo, de Stephen Spender, A espuma dos dias, de Boris Vian, Paris é uma festa e O velho e o mar, de Hemingway, O Diabo no corpo, de Raymond Radiguet, Retrato do artista quando jovem cão, de Dylan Thomas, O retrato de Dorian Gray, de Oscar Wilde, O vermelho e o negro, de Stendhal, e tantos outros que não cabem aqui.

• Que grande autor você nunca leu ou mesmo se recusa a ler? Você alimenta antipatias literárias?
É curiosa essa pergunta, porque não saberia dizer o que é uma antipatia literária. Mas confesso que implico um pouco com best-sellers, livros muito badalados, daqueles que dizem ”você tem que ler”, “tá todo mundo falando”. Comigo, isso aconteceu com Ian McEwan. Aí, ganhei de presente Na praia. Li e adorei. Por conta do meu trabalho confesso que já fiz muita leitura dinâmica, na diagonal mesmo, como dever de casa antes de entrevistar algum escritor. Mas não me recusaria a ler um grande autor. Ainda não encarei um Proust, por exemplo. Não por antipatia. É que vou precisar de tempo e dedicação.

• Que personagem mais a acompanha vida afora?
O Arturo Bandini, de Pergunte ao pó. Ainda guardo a sensação de que ele foi responsável, indiretamente, por várias decisões que tomei na vida. Uma delas foi mudar de cidade. Porque, como bem definiu Bukowski, Arturo Bandini é um “homem que não tem medo da emoção”.

• Que livro os brasileiros deveriam ler urgentemente?
Dos nossos grandes escritores: Machado de Assis, Graciliano Ramos, Erico Verissimo, Guimarães Rosa, Mario de Andrade, Jorge Amado, Clarice Lispector, Dalton Trevisan, Raduan Nassar, Milton Hatoum.

• Como formar um leitor no Brasil? E de que forma a tevê poderia ajudar?
O papel da família e da escola é fundamental para despertar a criança para a literatura. Qualquer criança, se bem orientada, vai gostar de ler. Já faz parte da sua natureza imaginar, criar, contar histórias. Tenho duas filhas de seis anos, e um dos seus programas preferidos é ir a livrarias. Se todas as crianças tivessem essa oportunidade, mais leitores seriam formados. A tevê poderia ajudar, sim, com programas que incentivassem a leitura e até mesmo a publicidade. Alguém já viu propaganda de livro nos canais dedicados às crianças? Quanto à família, vai depender também da formação dos pais. Se eles não têm o hábito da leitura, não vão chegar em casa e ler para seus filhos. Foi ouvindo histórias antes de dormir que eu comecei a me interessar por livros. E o mesmo se repetiu com minhas pequenas.

Luís Henrique Pellanda

Nasceu em Curitiba (PR), em 1973. É escritor e jornalista, autor de diversos livros de contos e crônicas, como O macaco ornamental, Nós passaremos em branco, Asa de sereia, Detetive à deriva, A fada sem cabeça, Calma, estamos perdidos e Na barriga do lobo.

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