Revistas literárias da década de 1970 (8)

José teve 10 edições entre 1976 e 1978 e abrigava, além da literatura, outras manifestações artísticas
01/10/2009

3. JOSÉ
Ao lado da Escrita e de Ficção, a revista José — Literatura, crítica & arte teve uma importância capital na formação do imaginário literário da década de 1970. E, curiosamente, embora circulassem à mesma época e utilizassem os mesmos canais de distribuição (bancas de jornais e livrarias), não ofereciam concorrência umas às outras. Enquanto, por exemplo, a Escrita e a Ficção valorizavam a publicação de poetas e contistas inéditos, José preocupava-se mais com a reflexão e pesquisa, ancorada em nomes já conhecidos; e enquanto aquelas revistas priorizavam a literatura, esta se abria também para outras manifestações artísticas, como música popular, futebol, arquitetura, urbanismo, artes plásticas, teatro, epistolografia e bibliologia.

José, publicada no Rio de Janeiro pela Editora Fontana, tirou 10 números, entre julho de 1976 e julho de 1978, com uma periodicidade bastante irregular[1]. Teve como diretor e editor responsável o escritor Gastão de Holanda (1919-1997)[2] e no conselho de redação os poetas e tradutores Sebastião Uchoa Leite (1935-2003) e Jorge Wanderley (1938-1999), o crítico literário Luiz Costa Lima (1937)[3] e o pesquisador musical Sergio Cabral (1937)[4]. A constituição deste conselho se manteve pelos oito primeiros números, incorporando, a partir do número 9, o escritor Antonio Bulhões (1925) e o bibliófilo José Mindlin (1914).

Em seu primeiro e único editorial, assinado por Gastão de Holanda, a revista demonstra uma clara preocupação com a questão formal, de certa maneira ausente nas outras duas publicações[5]. “José cumpre, com o primeiro número, uma etapa de sua proposta: a procura de uma fisionomia. Fase de trabalho criativo vai desde a fixação de uma estrutura gráfica à escolha dos colaboradores, desde a solicitação até o recebimento de textos eventualmente remetidos à redação, sua composição, sua análise, sua fruição, sua diagramação, harmonia entre o texto e a imagem, impressão e acabamento; e, tudo normatizado, deve constituir o veículo gráfico das nossas idéias e das nossas criações.”[6]

Entrevistas
Uma marca registrada da José eram suas entrevistas. Logo em seu primeiro número, Luiz Costa Lima e Sebastião Uchoa Leite sabatinavam o crítico Otto Maria Carpeaux (1900-1978), que, aliás, seria a capa do derradeiro número da revista — uma homenagem póstuma, para a qual contribuíram com depoimentos Antonio Houaiss, Aloysio Branco, Carlos Drummond de Andrade, Gastão de Holanda, José Guilherme Mendes, Mauro Gama e Sebastião Uchoa Leite. Também foram entrevistados, em diálogos que lembravam as famosas discussões patrocinadas pelo Pasquim, os críticos Antônio Houaiss (por Margarida Salomão, Pedro Paulo de Sena Madureira e Uchoa Leite) e Alceu Amoroso Lima (por Heloísa Buarque de Hollanda), o compositor de sambas Candeia (por Cecília Jucá, Lélia Coelho Frota, Gastão de Holanda e Maria do Carmo Ferreira) e o crítico uruguaio Emir Rodriguez Monegal (por Bella Josef, Gastão de Holanda, Luiz Costa Lima, Klaus Muller-Bergh, Sebastião Uchoa Leite e Silviano Santiago)[7]. Além disso, foram publicados dois debates, um sobre a poesia contemporânea (a partir do livro organizado por Heloísa Buarque de Hollanda, 26 poetas hoje, no nº 2)[8] e um sobre os rumos da própria revista, no nº 9[9].

Ao contrário da Escrita, que abriu espaço para a chamada poesia marginal, que apostava na comunicação imediata com o leitor, por seu ritmo coloquial e pela sua temática semijornalística, a José, herdeira indireta da chamada Geração de 45, privilegiava os autores de grande rigor formal. Assim, freqüentavam as páginas da revista, além dos poetas da casa, Gastão de Holanda, Sebastião Uchoa Leite e Jorge Wanderley, Joaquim Cardozo (1897-1978), José Paulo Paes (1926-1998), Ferreira Gullar (1930), Olga Savary (1933), Silviano Santiago (1936), Affonso Romano de Sant’Anna (1937), Lélia Coelho Frota (1938) e Armando Freitas Filho (1940). Por outro lado, flertava também com os novíssimos, capitaneados por Heloísa Buarque de Hollanda, que, embora introduzissem temas mais próximos da chamada “geração mimeógrafo”, não perdiam de vista a elaboração do verso, como Afonso Henriques Neto (1944), Ana Cristina César (1952-1983), Geraldo Carneiro (1952)[10] e Regis Bonvicino (1955), entre outros.

Poucos ficcionistas
A mesma diretriz perpassa a escolha da narrativa curta publicada em José. No entanto, poucos autores chegaram a firmar carreira como ficcionistas — entre estes, podemos citar Gastão de Holanda (1919-1997), Antônio Bulhões (1925), Haroldo Maranhão (1927-2004), Samuel Rawet (1929-1984), Victor Giudice (1934-1997), Silviano Santiago (1936), Edilberto Coutinho (1938-1995) e Ana Cristina César (1952-1983). O forte mesmo da revista era a ensaística. E nela se destacavam nomes consagrados como Antonio Candido (1918), Haroldo de Campos (1929-2003), Benedito Nunes (1929) e Augusto de Campos (1931), ao lado de críticos já conhecidos como Alexandre Eulálio (1932-1988), Vilma Arêas (1936), João Alexandre Barbosa (1937-2006), Luiz Costa Lima (1937) e Heloísa Buarque de Hollanda (1939), e jovens como Eliane Zagury (1945), Luiza Lobo (1948), Antonio Risério (1953) e Flora Sussekind (1955).

Assim como a Escrita e a Ficção, José não deixou de registrar o que estava ocorrendo em termos de literatura na América Hispânica, embora não tenha, como suas coirmãs, se encantado com o projeto da “latinoamericanidad”. Preferiu, a traduzir e publicar autores contemporâneos da América Hispânica[11], divulgar poetas e ficcionistas pouco conhecidos por aqui, como os norte-americanos Wallace Stevens e Emily Dickinson, o inglês Louis MacNeice, o irlandês William Butler Yates, os franceses Francis Ponge e Yves Bonnefoy e o alemão Rainer-Maria Rilke.

No âmbito do diálogo com outros campos das artes, a revista editou artigos sobre música (A música conta a história, de Sérgio Cabral e textos de Erik Satie); bibliologia (Livro: objeto gráfico, de Cecília Jucá, e As artes de reprodução, de Orlando da Costa Ferreira); arquitetura (O centro urbano de Brasília, de Frederico de Holanda); teatro (À margem do porco ensangüentado, de José Arrabal); artes plásticas (entrevistas com a pintora Maria Luiza Leão e com a gravadora Marília Rodrigues; Vocação construtivista na arte brasileira, de Frederico Morais; Obscuridade iluminura e Aquele desenho que vem na capa de Le Formose, ambos de Alexandre Eulálio; O que é ensino da arte, de Ana Mae Tavares Bastos Barbosa); história (Questão de regime, de Pedro Octávio Carneiro da Cunha); urbanismo (A questão do espaço urbano, de Edgar Albuquerque Graef) e futebol (Sobre algumas mensagens ideológicas do futebol, de Luiz Felipe Baeta Neves,). Além disso, entre os números 4 e 10, foram reproduzidas cartas de Mário de Andrade para Carlos Drummond de Andrade, um importantíssimo documento histórico e estético[12].

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Notas
[1] Os quatro primeiros números saíram em seqüência (julho, agosto, setembro e outubro), mas já o seguinte atrasou e saiu, em dezembro, como nº 5/6. O nº 7 foi publicado em janeiro de 1977, o nº 8 em maio, o nº 9 em dezembro e o nº 10, o último, somente seis meses depois, em julho de 1978.

[2] Autor de romances, Os escorpiões (1954), Macaco branco (1955), O burro de ouro (1960) e A breve jornada de D. Cristóbal (1985); contos, Zona de silêncio (1951); e poemas, Eu te previno (1969), Capiberibe, o iceberg no ar (1977), O atlas do quarto (1978), Corpurificação (1979), O jornal (1981) e O dragão encurralado (1983).

[3] Coincidentemente, Gastão de Holanda, Uchoa Leite e Jorge Wanderley eram pernambucanos, e Costa Lima, embora maranhense de nascimento, teve sua formação acadêmica em Recife.

[4] Pai do atual governador do estado do Rio de Janeiro.

[5] Gastão de Holanda havia tido uma experiência como editor, quando, ainda em Recife, participou de “O Gráfico Amador”, uma oficina experimental de artes gráficas, fundada em 1954 e que durou até o começo da década de 1960. Em tiragens artesanais limitadas, foram publicados autores como Ariano Suassuna (Odes), Carlos Pena Filho (Memórias do Boi Serapião), João Cabral de Melo Neto (Pregão turístico do Recife, Aniki Bobó e Vários poemas vários), Mauro Mota (A tecelã) e Carlos Drummond de Andrade (Ciclo), entre outros.

[6] A Editora Fontana, que publicava a revista José, tinha como lema uma contribuição para “a melhor arte gráfica do livro”. Suas publicações, em geral, eram edições de luxo, com papel especial, tiragens limitadas, bilíngües e ilustradas.

[7] Números 5/6, 7, 8 e 10, respectivamente.

[8] Participaram, além de Heloísa Buarque de Hollanda, os poetas Ana Cristina César, Geraldo Eduardo Carneiro e Eudoro Augusto e Luiz Costa Lima, Sebastião Uchoa Leite e Jorge Wanderley, membros do conselho editorial da revista.

[9] Do debate participaram Gastão de Holanda, Jorge Wanderley, Luiz Costa Lima e Sebastião Uchoa Leite, pela revista, e Ferreira Gullar, Geraldo Carneiro, Luíza Lobo e Silviano Santiago.

[10] Geraldo Carneiro chegou a ganhar seis páginas no nº 10, apresentado por Jorge Wanderley, Luiz Costa Lima e Silviano Santiago.

[11] Foram publicados, ao longo dos 10 números da revista, um artigo de Beatriz Borges e Flora Sussekind sobre o romance Três tristes tigres, do cubano Cabrera Infante (nº2), um depoimento de outro cubano Alejo Carpentier a Klaus Muller-Bergh (nº 7), um conto do argentino Jorge Luís Borges e uma entrevista com o crítico uruguaio Emir Rodriguez Monegal (ambos no nº 10).

[12] Editadas, mais tarde, in: Lição de amigo – Cartas de Mário de Andrade para Carlos Drummond de Andrade. Rio de Janeiro: Record, 1982.

Luiz Ruffato

Publicou diversos livros, entre eles Inferno provisório, De mim já nem se lembra, Flores artificiais, Estive em Lisboa e lembrei de você, Eles eram muitos cavalos, A cidade dorme e O verão tardio, todos lançados pela Companhia das Letras. Suas obras ganharam os prêmios APCA, Jabuti, Machado de Assis e Casa de las Américas, e foram publicadas em quinze países. Em 2016, foi agraciado com o prêmio Hermann Hesse, na Alemanha. O antigo futuro é o seu mais recente romance. Atualmente, vive em Cataguases (MG).

Rascunho