Wladyr Náder manteve-se à frente da revista Escrita ao longo de seus 39 números (distribuídos irregularmente de 1975 a 1988, com largas interrupções), acompanhado sempre pelo cineasta Astolfo Araújo[1] e pelo editor de arte José Américo Mikas[2], membros do conselho editorial. O contista e tradutor Hamilton Trevisan (1936)[3] participou ativamente da primeira e segunda fases (1975-1978 e 1979-1983) — quando a revista foi reativada, em 1986, ele já havia morrido (em novembro de 1984). Presenças constantes também foram as do publicitário Dennis Toledo, incorporado ao quadro de colaboradores a partir do nº 12; do crítico Y. Fujyama, a partir do nº 13, e do contista e romancista Roniwalter Jatobá (que assinava, ainda, “de Almeida”)[4], a partir do nº 17 — todos permaneceram ligados à Escrita até o fim da terceira e última fase.
É curioso observar que, ao longo de sua existência, a revista vai absorvendo à lista de colaboradores os autores que revela, demonstrando, à perfeição, um argumento de Náder de que o grupo nunca se transformou numa “panelinha” porque, “quem desejava, virava nosso amigo, independentemente de suas qualidades literárias”[5]. Assim, em sua primeira fase, que dura até o nº 27, além da formação original (Náder, Araújo, Trevisan e Mikas), e dos colaboradores citados (Toledo, Fujyama e Jatobá), fizeram parte do corpo fixo da Escrita: Vera Alves da Nóbrega (do nº 10 ao 15), Marco Aurélio Nogueira (do 13 ao 18), e Moacir Amâncio (a partir do nº 13), Antonio Dimas (do nº 18), Antonio Giaquinto (do nº 19) e Mafra Carbonieri (no nº 25)[6].
A preocupação em refletir a produção literária de qualquer canto do território nacional levou à criação de uma rede de correspondentes, que chegou a alcançar praticamente todos os estados brasileiros. A partir do nº 6, incorporaram-se à revista, além de João Baptista Natali Jr. (baseado em Paris), Antonio Torres e Maria Amélia Mello[7] (Rio de Janeiro), e, do nº 7 em diante, Caio Fernando Abreu, substituído, a partir do nº 12, por Antonio Hohlfeldt (Porto Alegre); Henry Correa de Araújo, até o nº 12, e, a partir daí, Luiz Fernando Emediato[8] e Duílio Gomes (Belo Horizonte); Ana Lagoa (Brasília); Reinoldo Atem (Curitiba) e Nagib Jorge Neto (Recife). A lista ampliou-se mês a mês: a partir do nº 8, Flávio Moreira da Costa (Rio de Janeiro); do nº 10, Raimundo Caruso (Florianópolis); do nº 15, Julio Cesar Monteiro Martins[9] (Niterói) e J. Medeiros e Jarbas Martins (ambos em Natal); do nº 18, Cinéas Santos[10] (Teresina) e Clodomir Monteiro (Rio Branco); do nº 19, Márcio Souza (Manaus) e Antonio José de Moura (Goiânia); e do nº 23, Carlos Emílio[11] (Fortaleza).
Problemas de distribuição
Os quatro últimos números da Escrita, nesta primeira fase (23 a 27), já demonstravam problemas com a distribuição, um dos fatores que iriam determinar um interregno de oito meses na circulação da revista. No nº 26, desaparece do expediente todo o corpo de colaboradores e correspondentes: além de Náder (editor), Araújo e Trevisan (“editores assistentes”) e Sônia Maria Faleiros da Costa Alcalay (redação), “colaboram neste número” Danilo Angrimani Sobrinho, Heloísa do Lago Alves Pequeno, Cecília Bonamine, Lêdo Ivo, Hugo de Castro, Ligia Averbuck, Flávio Moreira da Costa, Rycardo Rodriguez Rios, Fátima Miranda, Maria Stela Carrari, Antonio Carlos Villaça, Sérgio Amaral Silva, Salvador dos Passos[12], Carlos Emilio e Glauco Mattoso. E no nº 27, Antônio Dimas, Antônio Giaquinto, Antônio Hohlfeldt, Antônio Torres, Dennis Toledo, Mafra Carbonieri, Moacir Amâncio, Nilto Maciel, Roniwalter Jatobá, Y. Fujyama, João Natali (Paris) e Pablo del Barco (Sevilha).
Na segunda fase (números 28 a 33), a revista, que chegou, em seu auge, a tirar 15 mil exemplares, passa a circular com apenas três mil exemplares, distribuídos basicamente em livrarias de São Paulo. Assim, já não fazia mais sentido manter correspondentes nos estados. Do expediente, além de Náder, como editor, e Araújo, Trevisan e Mikas, à frente de um conselho editorial, constam como “equipe”: Dennis Toledo. J. B. Sayeg e Y. Fujyama (a partir do nº 30) e Roniwalter Jatobá, Humberto Mariotti e Márcia Denser (números 32 e 33). Finalmente, na última fase (números 34 a 39), além de Náder (editor) e Mikas (arte), aparecem como colaboradores Araújo, Sayeg, Fujyama, Jatobá e Márcia Denser, entre outros.
As páginas da Escrita, particularmente em sua primeira fase, oferecem ao leitor de hoje a oportunidade de conhecer o que de importante foi produzido na década de 1970. Eclética, a revista revelou autores inéditos, chamou a atenção para outros que, embora vivos, encontravam-se completamente esquecidos, repôs em circulação escritores enterrados junto com sua obra, divulgou estrangeiros desconhecidos por aqui (principalmente os latino-americanos), e abriu-se à polêmica, seja em artigos, seja na seção de cartas, verdadeira tribuna livre onde o leitor expressava suas idéias. A sua própria trajetória, de revista de circulação nacional, encontrada em bancas, entre os anos 1975 e 1978, a revista de circulação regional, vendida em livrarias, com menos de um terço de sua tiragem original, nos anos 1980, revela a própria situação da literatura brasileira naquele período: da pujança à desnutrição.
Resgate de autores
Dos autores resgatados pela Escrita, vale a pena lembrar pelo menos dois casos. Samuel Rawet (1929-1984), que, estreando com Contos do imigrante, em 1956, já tinha lançado outros oito livros, entre ficção e ensaio, em 1976 era um ilustre desconhecido. Pelas páginas da revista, sua obra reencontrou os leitores: já no nº 2, de novembro de 1975, teve publicado um depoimento e dois contos; mais um conto no nº 9 e outro no nº 29; e um polêmico artigo no nº 24. Além disso, a Vertente, braço editorial da revista, lançou em 1976 a segunda edição de Diálogo, fora de catálogo desde 1963, e em 1978, o ensaio Angústia e conhecimento[13].
Quem andava de lado também por esta época era Dyonélio Machado (1895-1985). Embora seu primeiro livro, os contos de Um pobre homem, seja de 1927, e sua obra-prima, Os ratos, de 1935, ninguém mais se lembrava desse gaúcho genial. No nº 7 da Escrita, de abril de 1976, ele reaparece, em entrevista a Flávio Moreira da Costa, e um conto. Em 1979, a Vertente relança o romance O louco do Cati, originalmente publicado em 1942 e, a partir daí, o autor assiste a um contínuo e ascendente interesse por sua obra. Ainda em 1979, a Editora Ática, de São Paulo, publica a terceira edição de Os ratos; em 1981, a terceira de O louco do Cati; e os inéditos Endiabrados, em 1980, e Ele vem do Fundão, em 1982. A Editora Moderna, também de São Paulo, lança os inéditos Prodígios, em 1980; Desolação, em 1981, e Fada, em 1982[14].
Autores inéditos revelados, nacionalmente, pela Escrita foram muitíssimos. Fiquemos com alguns exemplos: entre os poetas, Adélia Prado (nº 4)[15], Paulo Leminski (nº 8)[16], Antônio Barreto (nº 20) e Silviano Santiago (nº 26); entre os prosadores, Márcia Denser (nº 4), Domingos Pellegrini (nº 12)[17], Ivan Ângelo (nº 7)[18], Cristovão Tezza (nº 13), Beatriz Bracher (nº 17)[19], Julio Cesar Monteiro Martins (nº 20), Ewelson Soares Pinto (nº 25) e Cunha de Leiradella (nº 30). Entre os autores já publicados, mas ainda desconhecidos, destaquemos Maura Lopes Cançado (nº 13)[20], Hilda Hilst (nº 19) e Mafra Carbonieri (nº 23).
Notas
[1]Embora, na década de 1970, publicasse eventualmente contos em antologias e revistas literárias, apenas no ano passado publicou seu primeiro livro, o romance Devoradores (São Paulo: Musa, 2008).
[2] Também autor dos quadrinhos que apareceram do nº 1 ao 7 da revista.
[3] Publicou duas coletâneas de contos: Brinquedo (São Paulo: Vertente, 1976) e O Bonde da filosofia (São Paulo: Global, 1984).
[4] Escritor revelado pela revista no nº 6, dividiu com Moacyr Scliar, em 1977, o I Concurso Escrita de Contos, com o livro Sabor de química, publicado como encarte no nº 16. Do nº 18 ao 24, escreveu a coluna “Imprensa Nanica”. É ainda autor de Crônicas da vida operária (1978) e dos romances Filhos do medo (1979) e Pássaro Selvagem (1985), todos pela Editora Global, de São Paulo, e Tiziu (São Paulo: Scritta, 1994), além das novelas Paragens (São Paulo: Boitempo, 2004).
[5] Entrevista ao autor.
[6] Os números 21, 22 e 23 contaram com uma redação, formada por Danilo Angrimani Sobrinho, Julio Cesar Mendonça e Lucia Nagib
[7] Hoje editora, Maria Amélia Mello foi correspondente da revista no Rio de Janeiro do nº 6 ao 13 e, em Londres, do nº 16 ao 23.
[8] Na época, Emediato editava a revista Inéditos, em Belo Horizonte, que durou seis números.
[9] Escritor ativo nas décadas de 1970 e 1980, militante dos direitos humanos e um dos fundadores do Partido Verde, mudou-se para a Itália em meados da década de 1990, onde, a partir de 1996, tornou-se professor de Língua Portuguesa e Literatura Brasileira na Universidade de Pisa. Fundou a Scuola Sagarana, de escrita criativa, e edita a revista eletrônica Sagarana, que tem divulgado com assiduidade a literatura brasileira em traduções para o italiano. Tem três livros de contos e um romance escritos diretamente em italiano e é atualmente reconhecido com um dos mais importantes escritores daquele país.
[10] Editor da revista Chapada do Corisco, de Teresina, que sobreviveu oito números em 1976.
[11] Junto com Nilto Maciel, editou a revista O Saco, em Fortaleza, que durou sete números, entre abril de 1976 e fevereiro de 1977.
[12] Sob esse pseudônimo, o hoje consagrado escritor Menalton Braff chegou a publicar dois livros, Janela aberta e Na força da mulher, ambos pela Editora Seiva, de São Paulo, em 1984.
[13] Do autor, em 2004 a José Olympio Editora lançou Contos e Novelas reunidos, e a Civilização Brasileira, Ensaios reunidos, em 2008.
[14] A Editora Planeta, de São Paulo, relançou, mais recentemente: O louco do Cati, em 2003; Os ratos, em 2004 e Desolação, em 2005.
[15] E depois, no nº 9, logo após a publicação de seu primeiro livro, Bagagem. No nº 12, surge em depoimento a Wladyr Náder.
[16] O autor havia publicado o romance Catatau (Curitiba: Grafipar, 1975), com pouquíssima repercussão. Após a publicação deste primeiro poemas, freqüenta com certa assiduidade as páginas da Escrita: aparece em depoimento no nº 14, dois poemas e um pequeno ensaio no nº 28 e poemas no nº 32.
[17] Entrevista no nº 24, já autor publicado.
[18] Um trecho do hoje clássico romance A festa, lançado pela Vertente em 1976.
[19] A autora tinha então 15 anos e assinava Bia Bracher.
[20] Em depoimento de João da Penha.