A revista O SACO, que teve sete números editados em Fortaleza (CE), entre abril de 1976 e fevereiro de 1977, chegou a circular com sete mil exemplares, um número mais que razoável para as condições objetivas da época[1]. E, se ainda com o subtítulo de “revista mensal de cultura”, em seus primeiros três números conta quase que exclusivamente com a publicação de autores do Ceará e da Bahia, a partir do quarto volume[2] abre-se efetivamente à colaboração de escritores do chamado centro-sul, tornando-se representativamente nacional. E, como era comum no tempo, incorpora também a produção contemporânea da literatura latino-americana.
Pelas 32 páginas de seu número 1, de abril de 1976, O Saco, que se propunha a ser uma espécie de receptáculo dos artistas, “sismógrafos mais sensíveis, verdadeiros nervos expostos”[3] da sociedade, passam quatro contistas, dois poetas e seis desenhistas, todos cearenses. No caderno Prosa, publicam Jackson Sampaio, Carlos Emílio Correia Lima, Nilto Maciel e Aírton Monte (1949)[4]; no Caderno Verso, aparecem poemas de Manoel Coelho Raposo e José Maria Mapurunga Filho (1951)[5]; no caderno Imagem, desenhos de Mino, Hermó, Bartô, Frederico, Cartaxo e Jônio; e no caderno Anexo, além do editorial, um importante depoimento de José Carlos Capinam (1941), poeta e letrista baiano, já bastante conhecido à época por suas ligações com o movimento tropicalista, concedido a Jackson Sampaio três anos antes. Há ainda um texto do jornalista Edmundo de Castro sobre a situação da imprensa nacional e local, e, num tributo ao passado, um artigo, sem assinatura, sobre a Padaria Espiritual[6].
O número dois, que, apesar do sucesso da estréia, só foi para as bancas em junho de 1976[7], ampliou consideravelmente o número total de páginas da revista, de 32 para 42, publicando cinco contistas, seis poetas e seis desenhistas, todos nascidos no Ceará. No caderno Prosa, ficção de José Alcides Pinto (1923-2008)[8], Gilmar de Carvalho[9], Renato Saldanha, Yehudi Bezerra e Hugo Barros. No caderno Versos, poemas de Floriano Martins (1956)[10], Francisco Carvalho (1927)[11], Marly Vasconcelos, João Bosco Sobreira de Bezerra, Ricardo César Alcântara e Inaldo Pires Queiroz. No caderno Imagem, desenhos de Siegbert, Bathista Sena, Alano, Pedro Eymar, Ricardo Accioly e Nonato. E, no Anexo, depoimento do compositor e cantor Gonzaguinha; artigo de Jackson Sampaio sobre “Psiquiatria e subdesenvolvimento”; e um quase dossiê sobre uma estranhíssima obsessão: a existência de marcas reais da passagem de europeus pelo Nordeste, antes mesmo da viagem de Pedro Álvares Cabral, em um levantamento de Mário Baratta, e na transcrição de um documento, datado do século 18, que informa sobre a existência de uma cidade perdida (espécie de Eldorado) na Serra do Sincorá.
Mudanças significativas
No mês seguinte, julho de 1976, O Saco que chegava às principais capitais do país, distribuído pela Superbancas, apontava para mudanças significativas. Com 42 páginas, ampliou o espaço dedicado à prosa de ficção e poesia (sete contistas e seis poetas), em detrimento do caderno Imagem, que divulgou os trabalhos de três desenhistas (Gastão de Magalhães, J. Medeiros e Humberto), e em favor do caderno Anexo, que ocupou mais de um terço do total da revista. Além disso, pela primeira vez, eram editados autores não cearenses: metade dos contistas e poetas divulgados eram baianos, além de contar com uma poeta paulistana, moradora de Brasília. Assim, o caderno Prosa publicou contos de Barros Pinho (1939)[12], Moreira Campos (1914-1994)[13], Francisco Sobreira (1942)[14] e Carlos Emilio Correia Lima, além dos baianos Rogério Menezes (1954)[15], Guido Guerra (1943-2006)[16] e Jônatas C. da Silva (1953). No caderno Versos, poemas de Sérgio Mattos e Horácio Dídimo, e dos baianos Paulo Garcez, Fred Souza Castro (1931)[17] e Myrian Fraga (1937)[18] e de Ana Lagoa (1951)[19]. No caderno Anexo, entrevistas com o artista plástico argentino-baiano Carybé e com o folclorista e pesquisador potiguar Câmara Cascudo; dois perfis biográficos e um “esboço inicial de uma cronologia dos jornais cearenses (século 19)”, por Hilzanir Cals, e um artigo do escritor mineiro Jeferson Ribeiro de Andrade [20], sobre a “literatura de panela”. Além disso, duas páginas de cartas, seção muitas vezes desprezada, mas que, mais que qualquer outra, esclarece, informa e explicita o ar do tempo.
Em setembro de 1976, aparece o número 4, contando agora, além de uma boa distribuição nacional, com colaborações de todo o país e também do exterior. No caderno Prosa, além de três cearenses (Nilto Maciel, Airton Monte e Roberto Aurélio), apareciam os mineiros Jeferson Ribeiro de Andrade e Luiz Fernando Emediato[21], o paulistano Luiz José de Souza e, latino-americanos, o argentino Julio Cortázar e o venezuelano Ednodio Quintero. O caderno Versos trazia poemas de Jáder de Carvalho (1901-1985)[22], Jackson Sampaio, Mário Galvão e Guaracy Rodrigues, do paranaense Domingos Pellegrini (1949)[23] e do português Virgílio Alberto Vieira. O caderno Imagem se limitou a três desenhistas (Marcus Francisco, Alberon e Calvet), enquanto o caderno Anexo trouxe entrevistas com escritores, o piauiense Fontes Ibiapina (1921-1986), por Carlos Emilio Correia Lima, e o mineiro Murilo Rubião (1916-1991), por Ricardo Alcântara; os resultados de uma mesa-redonda sobre psiquiatria; um artigo sobre histórias em quadrinhos no nordeste, por Anchieta Fernandes; resenhas sobre três livros de poemas (de Ferreira Gullar, de Augusto de Campos e Julio Plaza e de Severino Medeiros de Albuquerque), por Joaquim Branco; um depoimento de dois artesãos paraibanos, Celene Sitônio e Calberto, a Jackson Sampaio; a reprodução de alguns verbetes do adagiário de Leonardo Mota e um interessante ensaio sobre as profecias na literatura popular do nordeste, pelo então professor de literatura brasileira na universidade francesa Sorbonne, Raymond Cantel.
Notas
[1] Eram seus editores Manoel Raposo (1933), Jackson Sampaio (1941), Nilto Maciel (1945) e Carlos Emílio Correia Lima (1956).
[2] No quinto número, de novembro de 1976, passa a registrar o subtítulo de “revista nordestina de cultura”.
[3] O Saco – nº 1 – abril – 1976 – 4º caderno, p. 1.
[4] Psiquiatra, publicou coletâneas de contos e de poemas. É cronista do jornal O Povo.
[5] Como José Mapurunga, dedica-se basicamente à produção de peças teatrais.
[6] Movimento literário cearense, de repercussão nacional, iniciado em 1892 e mantido até 1896. Estiveram à frente do grupo os romancistas Antônio Sales (1868-1940), Rodolfo Teófilo (1853-1932) e Adolfo Caminha, entre outros.
[7] “Problemas de ordem interna”, explicava A Gerência, num comunicado publicado à página 15, do caderno Anexo.
[8] Um dos nomes mais representativos da literatura contemporânea cearense, publicou contos, romances, poemas e ensaios, além de ter sido um dos responsáveis pela divulgação da poesia de vanguarda brasileira no nordeste.
[9] Ensaísta, dedica-se a estudar as manifestações culturais do nordeste, particularmente à literatura de cordel.
[10] Poeta, editor, ensaísta e tradutor, tem se dedicado a estabelecer relações sólidas entre as literaturas brasileira e latino-americana.
[11] Poeta de reconhecimento nacional, tem mais de 30 títulos publicados.
[12] Embora piauiense, radicou-se no Ceará, onde, além de dedicar-se à poesia, tornou-se político, tendo sido vereador e prefeito de Fortaleza.
[13] Considerado um dos maiores contistas brasileiros, publicou oito coletâneas: Vidas marginais, Portas fechadas, As vozes do morto, O puxador de terço, Momentos, Os 12 parafusos, A grande mosca no copo de leite e Dizem que os cães vêem coisas.
[14] Com o mesmo sobrenome de um autor publicado no número anterior, esse, que assinava Francisco Sobreira, ganhou renome nacional, com coletâneas de contos como A morte trágica de Alain Delon, A noite mágica e Não enterrarei os meus mortos
[15] Jornalista, voltou a publicar com afinco nos últimos anos, como o romance Um náufrago que ri, as crônicas de A solidão vai acabar com ela e perfis biográficos.
[16] Jornalista combativo, ensaísta, contista e romancista., publicou, entre outros, As Aparições do Dr Salu e Outras Histórias, Lili Passeata e A Noite dos Coronéis.
[17] Poeta e contista.
[18] Poeta, tem vários livros publicados, entre eles, Marinha e O risco na pele. Jornalista, mantém uma coluna sobre assuntos culturais no jornal A Tarde.
[19] Jornalista, acabou tornando-se uma colecionadora de notícias a respeito da ditadura militar brasileira, o que gerou um importantíssimo e raro acervo, hoje Arquivo de Política Militar Ana Lagôa, doado e mantido pela Universidade Federal de São Carlos, no interior de São Paulo.
[20] Contista e romancista, publicou, entre outros, Um homem bebe cerveja no bar do Odilon, A origem de Deus e de tudo,e Nunca seremos felizes, além do livro-reportagem Anna de Assis – história de um trágico amor.
[21] Contista, teve toda a sua obra reunida em Trevas no paraíso. Foi editor de várias revistas na década de 1970, como Silêncio, Circus e Inéditos, tendo fundado mais tarde a Geração Editorial, uma das mais importantes editoras brasileiras.
[22] Um dos introdutores do modernismo no Ceará, com o livro de poemas Terra de ninguém, deixou vários outros livros publicados.
[23] Embora tenha publicado poemas no início de sua carreira, Pellegrini iria se posicionar como um dos maiores ficcionistas brasileiros, por meio de livros como as coletâneas de contos O homem vermelho, Os meninos e Negócios de família e romances como Terra vermelha e O caso da Chácara Chão.