Marta acorda cedo. Diz que a energia do amanhecer favorece o seu trabalho no texto. Jonas dorme por mais duas horas, não liga a mínima para o alvorecer e reclama do regorjeio noturno dos sabiás. Jonas escreve melhor na primeira parte da noite, enquanto Marta adormece desejosa de sonhos cobertos de ideias e conteúdos imagéticos. Ele escreve ensaios e ela escreve poesia. Ele quarenta e nove de virgem, ela cinquenta e um de gêmeos. Jonas ganha dinheiro; Marta, prêmio literário, comenta André, o tarólogo vizinho e amigo da dupla. Casados há vinte e dois anos, apreciam as diferenças e até pacto fizeram para garantir mutuamente as escolhas desiguais, incluindo a decisão de ter filhos: seriam genitores se nos três primeiros anos de casamento Marta engravidasse, o que não aconteceu. Nas férias – conjugais – recentes, Marta embarcou para a Turquia, Jonas voou para a Argentina. Jonas não escreve e-mails, Marta não usa celular, completa André.
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A notícia no jornal:
Misterioso desaparecimento de casal de escritores desafia a perícia policial
As evidências registradas no apartamento da dupla não apontam movimentos de mudança. A agenda aberta sobre o balcão da cozinha, no dia 9 de maio, registra uma consulta – não comparecida – ao psiquiatra. Outros compromissos agendados em dias posteriores foram simplesmente ignorados sem aviso ou cancelamento. A louça suja da última refeição cheira mal sobre a pia.
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André, o último a ter contato com a dupla, se diz igualmente surpreso pelo sumiço, que já dura onze dias sem qualquer pista do ocorrido, mas tem uma suspeita: “Voltarão com um ou, quem sabe, dois novos livros concluídos”.